quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Eu não tenho um título

E sorriu. Não porque o licor estava bom e doce ou porque as flores estavam de um modo tão colorido nesta época, não porque as paredes estavam recém pintadas e os azulejos limpinhos e brancos ou porque ela estava sentada de um jeito tão confortável. Ela sorriu e não saber explicar os 32 dentes e nem o porquê do aparecimento deles era irrelevante, a justificativa estava no sorriso e ela havia sorrido. Mas acontece de naquele momento ela ser alguém que ele havia criado em desmazelo, e aquela era dele, mas acontece de acontecer por sorte que ela era mais dela que dele e sendo assim até a parte dele não era por completo dele, pois ela não lhe permitira isso e quanto a isso ela nada podia fazer porque ele a havia inventado imperfeitamente e imperfeita ela era.

ap.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

[...]

Amélia se deitava e encostava as pontas dos dedos gelados nos lábios, embora rezasse ela sabia: Os finos lábios de Otto eram doces e quentes como cocada recém feita. Ela esperava um dia poder senti-los, os lábios, cada um de uma vez e só assim não mais precisar das cocadas da preta numa tarde qualquer em que ela calada via o doce do lábio acariciar o doce do doce e sentia ciúmes. Pois é, Amélia sentia ciúmes da cocada, mas veja só. Otto não sentia ciúmes, os lábios de Amélia eram virgens de doce e fogo. Amélia adormecia Otto também. O dia seguinte viria, eles sabiam, por isso dormiam. O cobertor se sabe frio por aquele que confia. As pupilas de Amélia enxergavam outra vez o mundo que espera a tarde chegar, ou era somente ela que a esperava? Otto também esperava, esperava as cocadas e Amélia, para não serem por demais sinceros um com o outro, havia a preta: Ottinho estava por ali oras, com duas cocadas porque Dona Gil sempre dava o dobro do que ele pedia, Amélia como de costume também estava em sua casa, era menina de família e não se excedia a serotonina caprichada do doce. A preta e o sol deviam ser amantes. Pois justamente não importa o que se passe, os destinados serão sempre e para sempre prometidos.

ap.

Desquite

E pararam então de se olhar por uns minutos porque essa coisa às vezes cansa e manter a brisa da tranqüilidade é relativo. Acabaram se arrumando um para cada lado porque isso às vezes pode atrapalhar qualquer um e ninguém está aqui para ser confundido e injuriado. Não sei ao certo se era tarde de alguma coisa, pois quase sempre a tarde é de nada e inventar seria agourar acometimentos verdadeiros. Pela porta passaram um de cada vez porque dois corpos não mais ocupam o mesmo lugar no espaço e tentar seria o mesmo que fracassar, impiedoso fracasso que seria o de apostar na via interditada do ser. Dormiram na mesma cama, comeram na mesma mesa e dividiram até o mesmo frasco de alguma coisa inútil, mas isso sem se olhar e então era ainda que logicamente esperar uma série de nãos, não dormiam mais, não comiam mais e estavam ficando egoístas.

Pois para você eu escreveria cartas fazendo o seguinte apelo e lhe cobrando a seguinte confissão: Quando estiver sendo incendiado peça uma mão que você possa sustentar porque morrer num fogo queimado é o mesmo que reutilizar lágrimas de uma tarde de nada.

ap.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Só não preste o favor da atenção

E se tem uma coisa que eu admiro em nós é a maturidade ao calar, nós sabemos ficar calados. Calar é bem mais do que falar, aprendi isso depois de algumas aflições ao perceber o quanto você havia dito no silêncio e acima de tudo, o quanto você nem havia pensado em dizer. Eu fui aprendendo você com o tempo e deve-se a esse aprendizado todo o silêncio, mas entenda antes de qualquer coisa que não é silêncio propriamente dito, silêncio seria a ausência de palavras e isso nos transborda a mente de tal modo chegando a doer, então como tudo até agora o nosso calar não possui nome, ele fica calado juntos a nós. Às vezes ao telefone eu escuto alguns gemidos, mas quando você fala... Com essa voz de como ao começar nunca fosse parar, é quase o melhor momento do meu dia, digo quase, pois o melhor do meu dia com você são esses teus ataques de carinho de me apertar até os joelhos, perguntar pelas minhas bochechas e abraçar ternamente minha boca. Falar minha boca me constrange um pouco, logo, paro por aqui num dos meus ataques de silêncio, escute o que quiser porque é somente o que eu tenho a dizer.

ap.

Segredos de cozinha

Marlena gostava de fazer tempestade em copo d’água. Arrumava qualquer desculpa pra provocar um belo tsunami na xícara de café logo pela manhã bem cedo. Dizia-se sempre atolada com o trabalho domestico, o tal motivo para tanta reclamação e carnavais fora de época. Mas eu sempre achei que havia motivo maior vindo de dentro, dentro dela esse gosto pelas tempestades. Era um mistério a desvendar, como as historias de Sherlock Holmes, devoradas por mim. E Marlena parecia tão normal, uma dona de casa qualquer. Apenas parecia porque eu sabia que no fundo havia um gosto ainda maior do que pela chuva barulhenta e atordoante. Eu nunca cheguei a descobrir, pois foi justamente ela quem me contou, disse bem simples com voz suave e afinada de dona de casa, passando as mãos delicadas de unhas nuas no bolso do avental: “Eu gosto mesmo é de pedir desculpas”.

ap.

sábado, 4 de setembro de 2010

Os olhos de Marla

E se recostaram entre os cantos da parede. Não há nenhum relato de constrangimento, pois eram por demais íntimos sendo um o outro e o outro, o outro. Pensaram na leve absorção de navegar por mares nunca antes navegados e assim os dias consistiam em pensar e no simples navegar pelos olhos. Eram uns olhos sobre os quais se escreveria tantos poemas, eram uns olhos brilhantes de musa abandonada atravessando a rua vazia, estando todos por completo no bonde que alçava vôo pela rua quadriculada. Eram olhos de animal esguio e astuto em pronta partida para correr. Os dois olhos eram cada um de cores diferentes, um dos parecia mais com uma mistura de marrom e violeta, o outro era azul céu ao meio dia. Eram olhos desenhados a mão, ao mesmo tempo em que levemente caídos eram também rapidamente arqueados. Olhos de terror acompanhados de pupilas tenebrosas. Os olhos eram isso tudo e um pouco mais, pois no se recostar entre os cantos da parede se navegava de olhos fechados.

ap.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Querida querida

Ah querida, porque andas assim? De maneira tão desolada? De braços fechados para o nada e boca aberta em desmazelo porque ninguém a vê, porque apenas pode andar de boca aberta até secar sua garganta pelo vento sujo da cidade suja nesse país sujo dentro bem dentro, bem ao fundo desse mundo sujo. Por que ainda não se matou? Porque ainda não se jogou lá daquele sexto andar do sexto prédio na rua seis? Ah minha querida, querida, querida, querida... Você é minha querida sabia?! Você não se joga de lugar nenhum, nenhum prédio, ponte, escada, o escambau, seja o que for você não se joga minha querida. Você não se mata, não se fere, não se arrisca, não sangra, não vive. Você minha Querida querida, anda só de boca aberta com desleixo sugando o mundo que se mata e se joga e sangra e fere, pura e simplesmente sugando o mundo que vive desapercebendo que você anda de boca aberta espreitando o sujo mundo, mundo sujo. Mas é sempre assim e você sabe muito bem que é, depois que você passa a se matar e ferir, você não percebe mais as pessoas de boca aberta pela rua ou tão somente não percebe as pessoas que sangram pelo prazer do saber o sangue sempre ali. Então é por isso minha Querida querida? Que você não se mata, não sangra nem fere? Só porque queres saber o rumo do sangue e a sujeira da rua? Eu entendi minha Querida, que você não se mata porque já está morta.

ap.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O lancinante sabor diuturno

Chesire cuidou de mim pelo resto da noite. Mas antes dela mesma começar, eu já me sentia como alguém grande, com pernas que alcançavam vários passos em um só. As cores platinavam em diferentes formas e gestos, com sua própria personalidade, cada uma. Eu podia escutar o som fino do silêncio e ver o sol nascendo lá ao fundo da paisagem que mudara e mudava a toda hora. Catalisadores de movimentos faziam modificar em câmera lenta acelerada toda e qualquer reação. Os tons de rosa variavam para violeta e vermelho, passeavam entre as cores os pingos de água azul e a relação entre coisa e forma dependia do que ela queria então dizer, algumas queriam falar e não sabiam que falar nada resolvia, não sabiam que de nada serviam, pois ali nada queriam dizer. Logo essas passavam a ser despercebidas por quem ali algo queria dizer. Os valores físicos não contavam e os segundos eram pigmentos absorvidos com destreza. Os episódios não tinham sinônimos e a escada tinha exatamente vinte e cinco degraus, eu podia contar-lhe todos em um minuto na mesma medida que os subia ou descia, tudo tinha o mesmo grau de entendimento e ao passar de nada outra vez ou sempre nada se sabia. Chesire me pôs nos braços ao clímax da noite. Chesire balançava pra lá e pra cá, sacudindo seus braços, feito água seca e quente avermelhada pelo sol que não tinha iluminando a parede escrita de café. Mas antes de eu mesma começar a achar o lancinante sabor diuturno da noite, as prateleiras seguravam copos e as maçanetas engoliam chaves, pois os carros sorriam, os mortos tinham dentes separados, as mochilas vigiavam e o flash mumificava as orelhas peroladas. E tudo estava normal a ponto de não mais ficar.

ap.

domingo, 29 de agosto de 2010

Havia a leve inquietação de ser ela mesma

Era aquela sensação da garganta seca que ela sentia. Aquela coisa de querer ter algo ali dentro pra poder então em seguida gritar, gritar aquela coisa que fazia a garganta ficar tão seca, nem era sede de água que ela sentia, ela nem sentia sede, era só aquela garganta seca que insista em secar mais ainda incomodando ela toda, começando pela garganta que a fazia numa secura intensa querer molhar de vogais e consoantes à garganta seca que queria somente cinco vogais e duas consoantes que assim a fazia sentir a garganta seca e pensar, decidir, descobrir que a garganta seca é a melhor e a pior sensação que ela pode sentir.

ap.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

É só

Não é uma questão de dizer ou não dizer, estamos entre isso e o isso não tem nome. Não temos nome. Não se trata de dizer e ganhar ou não dizer e perder, o fato de estarmos entre os dizeres e não dizeres é ter apesar de e apesar de, ter. A faca que corta o peito é afiada e ainda assim ela continua a ser amolada toda há dias. Pra quê eu não sei, mas todos os dias ela anda ficando mais afiada a ponto de cortar o peito, atravessar as costas e atingir meus inimigos. Pobres inimigos com sorte que provarão do gosto de sangue pela faca mais afiada que corta o peito e as costas e ainda sobra ponta pra esfaquear quem você quiser, porque a faca atinge. Invariavelmente ela estima os fracos e fortes. Todos. A faca contagia sangue em todo mundo, no mundo todo.

ap.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Apoucado

A estrada está vazia, Irene está nela. As rodas do carro giram furiosamente pegando fogo no asfalto fervoroso. A folhinha aromatizada balança descompassada. O chaveiro de prata faz barulho diagnosticado como fino. Não há som no carro, ele foi esquecido há um tempo por já não poder competir com a mente de Irene, a cabeça dela faz barulho demais. Bem mais alto que o tiro há duas horas atrás...

Irene aponta a arma desajeitada contra o peito dele, amadora não pensa mais nada além de atirar, tinha um plano bom, avaliado por ela mesma, mas agora tudo parecia balela desnecessária. A única coisa que deseja é matar, que se dane os detalhes, como o crime ou o afeto renegado que sente pela asquerosa vitima. Uma barata de sangue estranho. A vida tem suas ironias e Irene descobrira uma das, mas era sempre tão antipática, nunca dava risada com piada nenhuma. Ouve-se um grito grave de revolver no banheiro, chuveiro ligado.

Barulho mais alto que o corpo nu no porta-malas. Irene escorrega os dedos na folhinha pendurada no retrovisor, vai levá-los ao nariz e antes que isso aconteça, percebe seu dedo sangrar estranhamente. Uma barata de sangue estranho.

ap.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Porque ninguém é de ferro

E se Dona Socorro irromper com algum assunto sobre ele eu logo cortar-lhe-ei a língua e inventarei outro, pois justamente, não estou a ligar para saber do safado, estou a ligar por saudades da minha antiga sogra ora essa. Minha amada antiga sogra que por longos anos ao lado dele foi quase uma mãe para mim. Ligo para ela não para ele. O assunto preferido de Dona Socorro é o filho casula, coitada, não sabe o tempo que perde ao falar daquele crápula sem coração. E não. Não. Não falarei sobre ele com ela, não quero saber, não tenho a mínima curiosidade sobre os dias de aquele ser humano. Cortar-lhe-ei a língua Dona Socorro.

- Alô?

- Dona Socorro?

- Margarida minha querida filha, há quanto tempo que não liga. Betinho anda bem, não se preocupe.

- Anda é? Anda por onde?

ap.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Celebrando a morte

- O que houve aqui?
- Você morreu.
- Eu morri?!
- Eu a matei.
- Você me matou?!
- Não foi o que eu disse?
- Eu já te disse que não é pra andar me matando a toda hora.
- Já disse... Eu sei... “Que isso tem de ser feito com gosto”.
- Quantas vezes essa semana? Duas? Três?
- Quatro.
- Pois é. E nós voltamos pra cá quando você me mata e eu não gosto nada desse lugar, passar pela morte é ate agradável você sabe, mas quando se chega aqui, aqui as coisas são diferentes e voltar dói demais. Dói demais pra você ficar me matando a toda hora.
- Mas eu gosto tanto de te matar.
- Eu gostaria de te matar se podesse, mas as coisas andam difíceis, você sabe, matar não é mais como antes e sentir o gosto disso também não. Olho pra você e sinto um leve desejo de matar, mas logo em seguida me vem a lembrança da dor que é voltar nas quatro vezes por semana e tenho dó de ti, sendo assim, não te mato. Se não te mato é por pena, pena de mim mesma.
- Coitada de você.
- Coitado de você. A pena que sinto por mim me leva a tua pena que é pagar pela abstinência da morte por quatro vezes na semana. Por que fala tão pouco aqui? Então é verdade que quem morre fala muito, fala mais que o vivo sete dias por semana.
- Falo pouco mesmo, você fala demais ate viva por três dias na semana.
- Sábado, domingo e segunda. Vivo sempre estes dias. Por que nunca me mata em dias diferentes? Eu ate gostaria de ver as cores da terça-feira e o clima da quarta-feira. Viver na quinta é meu sonho. A sexta eu descarto, as pessoas veneram demais esse dia, não quero, não gosto do que gostam.
- Você ia gostar da sexta.
- Que tem a sexta?
- Álcool e vida.
- Não quero vida na sexta.
- Então só tem o álcool.
- Eu não bebo.
- Conta outra.
- Quero a quinta.
- Não posso deixá-la viver na quinta, na quinta faço mil coisas, ando muito ocupado na quinta.
- Mentira.
- Não é.
- Vamos voltar. Aqui eu falo demais. É muita quinta pra uma sexta.
- Ainda não, fala. Eu presto atenção. Aqui tenho o tempo que não tenho de quinta.
- Você é de quinta.
- Obrigado.
- Quinta categoria.

ap.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Ardil

As bruxas da rua de baixo eram feias e velhas. Eu nunca fui contra ninguém, contra elas, e acontece de eu não poder dizer que gosto, pois afinal eu sempre fui por demais calada, não expressava apreço nem muito menos desprezo pelas criaturas truculentas e agourentas da rua de baixo. Por mais que fossem tenebrosas as bruxas, eu ainda as via todos os dias, eu observava pelo canto do olho suas artimanhas. Não sei por quê. Elas não eram seres dignos de observação e mesmo que assim fosse não eram também seres dignos de indiferente opinião. Não sei o que fazer com as bruxas da rua de baixo, nunca soube. Talvez se as levasse a serio me perderia em feitiço diverso, quiçá fosse indolente me afogaria em pia rasa tentando escutar a rua de baixo pelos canos da casa.

ap.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Agradecimentos ao meu triste pássaro falecido

Eu nunca imaginei minha vida. Imaginar seria mais que qualquer outra coisa, planejar o presente. Imaginar seria com importância enxergar, nem que fosse pela fechadura, debaixo duma escada, acariciando um gato preto, mas enxergar, enxergar implorando pra ver. Sabe quando o vento passa por nossos ouvidos e logo em seguida há um arrepio? Acho que é o nosso corpo querendo provar que sim, é verdade que podemos ser solitários. A gente sempre reclama tanto sobre férias e quando elas chegam há tanta coisa pra fazer, acontece que no fim não fazemos nada, nunca fazemos nada. Nem paramos pra imaginar nossa vida. Pra enxergar.
Minha vida começou em 10 de janeiro de 1964, eu fazia doze anos e cinco dias à meia noite. Minha cabeça pendia pra um lado enquanto meus cabelos pro outro, meus olhos fechados enquanto eu respirava maresia. Maresia, inebriante maresia. O que aconteceu? O fato é que minha vida começou. Como? Nem me pergunte, não quero nem imaginar. Tenho outras coisas a fazer, desculpe. Feche a porta quando sair, por favor. Obrigada.

ap.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Number 8, Pollock

É, eu parei um tempo por não ter mais nada a dizer, não ter nada o que pensar. Eu parei porque pra se dizer boas coisas, ou até mesmo ruins, é preciso que haja sentimento e eu já não sinto nada, nem metade de um fio daquilo que um dia senti. Porque é preciso amor, paixão, remorso ou pena; é necessário rancor ou ódio, muitas vezes tristeza ou quem sabe certo desdém. Eu? Nem isso. Eu parei porque nada mais tinha a achar sobre a vida e sobre nós dois. Parei por vontade de parar, porque não queria mais forçar as palavras à sairem da boca, por elas serem da boca pra fora, por já nem sentir mais vontade, por também não achar ser necessária a hipocrisia que me tomava vez em quando. Eu parei por um tempo por não conseguir dizer o que tinha vontade de dizer olhando na cara, olho no olho. Parei com isso de querer parecer o que não sou, de dizer o que eu discordava, de achar bonito o Pollock da sua sala de jantar. Demorei pra ver qualquer coerência que fosse nele e até hoje não vejo qual a razão de se chamar um número. É bem verdade que o vi oito vezes antes de entender o sentido, o espírito de toda aquela coisa. É bem verdade que oito foram as vezes suficientes pra me fazer sentir estima por aqueles rabiscos sem nexo... E era tão importante pra você que nem sei porque parei de elogiar a totalidade das coisas que eles retratavam. Estava tão claro não é mesmo? Bom, mas agora eu parei. E parei por um tempo indefinido, por um tempo que nem Pollock conseguiria saber dizê-lo.
Quando parar de parar por um tempo, eu aviso. Te mando uma carta, um bilhete ou te ligo, certo? Quando eu parar com isso também, eu mesmo vou até aí só pra te dizer cara-a-cara que dar um tempo nas coisas às vezes é bom mas nem sempre funciona... Quem sabe eu não paro com todo o resto de uma vez? É, eu parei mesmo.

ya.

Lieux mystérieux

Salut para os marinheiros que chegam de não sei onde, lá daquele meio do nada onde a saudade mata e o azul é a cor favorita e a mais odiada. Eles chegam, estão chegando, tenham calma, vocês verão. Os marinhos vindos de longe, vestidos de branco-encardido e cheios de compreensão. Fácil seria se fossem notados, os marinheiros coitados, são sempre despercebidos como acontece com o prédio estrábico logo ao lado, você não percebeu? Então não perceberia um marinheiro vindo de lá, aquele lugar, que a gente sempre esquece o nome de tanto falar, fácil seria se não falássemos, assim sempre lembrávamos pela vontade de falar. Mas como todo mundo sempre comenta sobre esse lugar, não fazemos menor questão de guardar, e é por isso que quando os marinheiros chegam todo mundo fica calado tentando lembrar o nome do lugar de onde veem. Que a gente tanto gosta e nunca vai. Acontecem, as coisas acontecem e um dia Lótus decidiu ir pra lá, nunca mais voltou.

ap.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Chile

Vinha andando pela casa a noite nos últimos dias. Pisava no chão gelado de pés descalços mesmo sabendo que acordaria pela manhã meio doente. Em pé na varanda, sentada na cozinha, tomava um copo de água bem gelada para refrescar os pensamentos, sempre com os pés no chão para refrescar a postura. Passava horas completamente desocupada. Ignorava a televisão e o computador. Fitava o pinguin na geladeira e lia de trás pra frente "elihC" escrito nele. Não comia nada e nem se quer balançava as pernas. Voltava à cama devagar e silenciosa, deitava-se ao lado dele e apoiava uma das mãos em suas costas. Às vezes acordava pela manhã meio resfriada.
Esse texto fala sobre levar o café da manhã na cama para alguém que mesmo provocando os seus próprios resfriados ainda o ama.

ap.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A pintura do universo era natureza-morta

Evitaram a agitação da festa e se refugiaram no quarto dela. Havia um tempo que o beijo já não era suficiente, os abraços apertados não supriam a necessidade da mente que procurava por algo ao passar das mãos nas mãos. As epifanias do universo já não os satisfaziam mais, eles precisavam agora de suas próprias certezas, nem que de súbito fosse. Era importante, a confiança, aquela, em si mesmos ou um no outro, tanto fazia, pois depois da fé viravam um só. Porque essas partes do quebra-cabeça deles precisavam ser encontradas onde quer que fosse, ao contrario das peças do universo, as peças deles formavam uma pintura abstrata. E ocorreu a epifiania. Ele deslizou os dedos longos no caminho a primeira peça do quebra-cabeça. Ela o olhava com os olhos de ressaca de Capitu enquanto ele se afogava na tinta a óleo dos olhos dela, das peças do quebra cabeça, do quadro pendurado, das mãos suadas, era tanta coisa, tanta coisa era. E eles estavam distraídos com a tinta, o cheiro de tinta sempre distrai as pessoas em plena epifania.

ap.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A versão sem cortes

A câmera focaliza o rosto de Martha e logo em seguida da ênfase ao seu novo sorriso, Martha ainda não se acostumara com ele e coloca vez ou outra a mão na boca esquecendo-se de que agora ele é um trunfo. Ela mexe no cabelo e brinca com a câmera que insiste em filmá-la, estende as mãos e faz sinais negativos para o misterioso cineasta amador do aniversário, neste vídeo Martha completa 14 anos. Agora as velas estão acessas e as luzes apagadas, o que deixa o rosto de Martha em evidência e logo a câmera se vê em plena sorte, filmando-a no escuro a luz de velas, seu rosto amarelo e radiante. Ela olha para baixo meio sem graça, ri como se alguém estivesse a contar uma piada, mas não, ao que parece para Martha o barulho é apenas barulho como se escutado pelo rádio na cozinha ao meio dia. E ela está sozinha, atuando para uma platéia invisível sendo transmitido mundialmente através do vídeo seu drama casual. O barulho grita em sintonia uma melodia de letra familiar e cruel, Martha nunca foi boa nisso, sempre se perdia bem no meio e terminava mexendo a boca sem que saísse nenhum som, mas hoje cantavam puramente para ela de modo a não precisar ter medo do constrangimento ao esquecer a letra. Os versos sem rima chegam ao fim e a câmera sente uma calmaria ou alivio no rosto de Martha. As pessoas ainda gritam, mas nada em comum, gritam o desespero pela diversão que nem sempre é facilmente identificado. Alguém fala no ouvido de Martha e ela concentra-se em escutar, faz que sim com a cabeça e de volta estamos em frente a uma Martha agitada, rindo a toa, em seguida vê-se que ela lambe os lábios ritmicamente, de olhar para o nada, fecha os olhos pintados de azul, abaixa-se perto das velas, diz algo em voz baixa e da um sopro que em seguida deixa a sala em plena escuridão e só se ouve a algazarra dispersa dos dispersos ao silêncio do cineasta. Alguém ao fundo acende a luz, Martha olha para a câmera, da um sorriso e tudo fica negro, o vídeo acabou.

André pausa bem na parte dos olhos pintados e aperta play. Volta. Pausa outra vez na mesma cena e aperta play. Mas que desejo foi esse o da Martha? Seria algo em outra língua? As aulas de latim estavam indo bem, ela disse. André nunca saberá que naquele dia Martha agradecera pelo ano passado, o dia em que André lhe deu um CD com músicas gravadas para a viajem longa até a praia. Acontece que era pra fazer um pedido. Acontece que Martha só tinha a agradecer.

ap.

domingo, 25 de julho de 2010

Caio F. Abreu

O dia que Júpiter encontrou Saturno

-Mas não seria natural.
-Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
-Natural é encontrar. Natural é perder.
-Linhas paralelas se encontram no infinito.
-O infinito não acaba. O infinito é nunca.
-Ou sempre.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O olho de quem vê faz os olhos que vê

Quando bate um sol neles, ficam tão claros de modo a parecerem doces. Meu bem, estranho é querê-los sentir derreter em minha boca como bala de mel.

No escuro eles brilham como pedra fosca de capricórnio, foi por essas pedras que procurei. Meu bem, estranho eu querê-los pendurados no meu pescoço como amuleto que me traga sorte.

Logo à tarde eles me sentem num misturado de ditos e pré-ditos, não-ditos. Eles caem na perdição do pôr-do-sol, cor de luxuria embora seja bom no sentido dos ditos pelos seus, pelos meus.

O olho de quem vê faz os olhos que vê.

ap.

Abre a janela e vê se o vento chegou

Clara mexe um dedo indicador, range os dentes e abre um olho de cada vez. Clara acordou. Para mais um dia inexoravelmente fácil. Fátima vasculha sua gaveta a procura dos comprimidos rosa, atira cartas fechadas contra a parede. As cartas não eram os comprimidos. Fátima senta no chão e começa a se preparar para mais um dia inexoravelmente difícil. Fonseca molha sua planta de nome até então desconhecido. Ele a chama de Vita. Desde que ela se fora, a verdadeira Vita, Vita outra recebe carinhos insanos, porém inexoravelmente fáceis. Flora bate sem parar os pés na cama branca do quarto branco. Dona branca entra no quarto, uma velhinha de cabelos brancos. Flora sente a visão se desfazendo, seus pés descansam desajeitados. Como queria sair dali e sentir a inexorável facilidade de fumar. Ambrósio deita-se e espera. Espera a roda parar de girar. Espera a morte chegar e acabar com esses inexoráveis encontros e desencontros da vida. Porque para Ambrósio, no fim isso é tudo, Encontros e desencontros. Uma semana atrás Pedro entra no correio e envia silenciosamente um pacotinho com três comprimidos rosa. Dois dias depois, João encontra no lixo os comprimidos preciosos, rosa e pensa. Sua mãe está doente de algo que os vizinhos não sabem explicar. João sobe o morro. A mãe de João até que deu uma melhorada.

Para as coisas da vida as inexoráveis levezas do ser, dou-te os implacáveis amores de fato e o cimento cinza da calçada que tudo vê.

ap.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Liebe

Eu nunca tive um amor tão bonito que fosse sentido para além das grandes e pequenas coisas. Suponho que esse amor sente amor e que tudo seja doce, e tudo é. Suponho que ele tem uma grande canção em ritmos diferentes e combinados. Se quer falar assim então que fale, que não me chame por cima de muros e nem por tras das portas, que seja doce em todos os sentidos. Que seja doce até num sexto sentido, mas que seja doce.
Ele estende para mim entre seus dedos amarelos e queimados um cigarro. Eu o acomodo entre meus dedos virgens. Meu alemão não é tão bom, mas... ich liebe es.

ap.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Salvadora

Uma mão lava a outra. Foi com essa frase que passei a maior parte da minha vida sendo educada. Então como poderia eu agora negar lavar as mãos de outro? Não meu querido amigo, além de passar água sobre elas, eu esfrego com sabão e depois ainda as enxugo com uma toalha limpa. Isso às vezes, ao longo dessa vida curta, rápida, porém intensamente até aqui bem aproveitada, vem me sujando, somente às vezes, mas essa sujeirinha pequena em cada lavada fica e passa a se transformar em coisa maior, mas significativa e aparente aos olhos nus. Porque logo agora todo mundo resolveu ultimamente andar de olho nu.

ap.

Vera e as escadas

Furiosa, passou os dedos no corrimão das escadas e foi descendo em direção a saída.
...Que escada enorme que não acaba mais. Espero que ele não esteja a me observar, não olharei para trás, desculpe, não olharei. Seria uma entrega das grandes. Seria colocar um “mas” a tudo que disse há pouco. Um “mas” só serve para nos desmentir. Eu gosto de você, mas. Eu quero, mas. Eu estou aqui, mas. Eu sei, mas. Mas. Mas. Mas. Mas. Deveria ser uma palavra proibida...
Olhou para trás e subiu de volta as escadas correndo, cuidado para não tropeçar, mas.

ap.

domingo, 18 de julho de 2010

Suportarei até que seja o pior pela mais bela visão

Ele as chamava de Ninfas. Acredita? Ninfas. Aquelas prostitutas da Rua Dezenove eram chamadas de Ninfas pelo Plínio. E bem quando dava meia noite depois de alguns cigarros e pileques, ele balbuciava no bar, "Irei-ver-minhas-Ninfas-queridas!". Eu não me conformava com esse apelido para as meretrizes, Ninfas são seres puros e inebriantes, seres bonitos, coloridos e brilhantes. Aquelas mulheres eram sujeiras do capeta. Eu queria compreender o Plínio, mas não cabia em mim tal inclusão, em minha cabeça sóbria e sã, mulheres de saias curtas e justas e topes a base de lantejoulas, por mais brilhantes que o fossem... Prateados os sapatos de acrílico, dourada a maquiagem nos olhos, por mais que assim o fosse... As ninfas eram mais Ninfas que as Ninfas do Plínio. E eu tentei de tudo, as minhas filosofias sobre entender os pensamentos dos outros estavam já quase por acabar, estava já por desistir de perceber a definição de Ninfas segundo Plínio e deixar pra trás toda essa baboseira sobre “compreender”, sobre ver sentido nas coisas, porque isso no fim é uma bobagem mesmo, é só que eu não tinha mesmo mais nada em que se ocupar, estava desempregado, não bebia nem fumava, me sentia uma aberração de meia idade no bar, sem emprego assim como todos ali, de coração partido como alguns e sem filhos como nenhum, sóbrio e inteligente redescobrindo a mitologia. Recorri então a minha última chance de acerto. Ver pelos olhos do Plínio. Os copos se enchiam rápido assim como eram facilmente esvaziados, nunca havia tragado um cigarro, nem muito menos um amassado, mas dessa vez havia fumaça nos meus olhos e na minha roupa e o cheiro era sufocante, minha garganta lembrava as doenças mais irritantes e eu tossia. De repente minha visão sobre Plínio mudara, perguntei se já haviam o confundido com Leminski, ele riu, revirou os olhos mortos e fez que não com a cabeça. Ver pelos olhos do Plínio era deveras mais divertido. Quem precisa de um emprego, de um coração ou de filhos quando se tem aquela visão sobre o mundo? Meu melhor amigo era Leminski e eu podia ter quantas Ninfas quisesse da Rua Dezenove, aquelas sim eram as Ninfas que deveriam estar nos livros, Ninfas egocêntricas e habilidosas.

ap.

No que leva quando se leva

Nascer
Vi(escre)ver
Morrer.

sábado, 17 de julho de 2010

O sangrar sem limites

Não resta nada a dizer, Não resta nada a fazer, quando você tocar de leve o rosto e perceber as rugas.
Você olha pra rua e tenta enxergar, você esqueceu os óculos do lado da cama, do lado do copo com água, do lado dos comprimidos, do lado da foto antiga, do lado do abajur sem luz. Eu te pergunto, você sangrou? Pingou sangue por todo o lugar, você sujou com sangue até quem não deveria sujar? Sangrar não é maligno, é o indispensável da vida. Sangrar não quer dizer que você morre, e sim que vive.
Você pisou nos cacos de vidro? Porque quando se quebra um copo, é bom pisar nos cacos... E então sangrar.

ap.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Assim como

E sempre que um dos dois ia embora a despedida era calorosa e quase inevitavelmente cheia de profundo romance invisível, quase inevitavelmente, pois se queria bem mais que profundo romance, o profundo parecia raso como uma poça d'água que se pula. Queria-se bem mais porque se cabia bem mais que profundezas e romances. A despedida era dita e sentida. Dizia-se sempre o limite das palavras, pois elas possuem até certo ponto um limite onde depois dali não podemos falar. Não era dito apenas por não poder ser dito, em compensação se sentia apenas por poder ser sentido.
E sempre que um ou outro ia embora se buscava as palavras para mais além do limite das mesmas que resultava em despedida cheia de inclinação. Tudo calha o além perante um limite.

ap.

Elaland

Traços graves e inconfundíveis os dela. Traços que falavam, escritos por traços, uma boca que falava nos dias de chuva, nos dias sem chuva. Traços cheios de nostalgia. Traços pontudos, grandes, comoventes. Traços numa pintura a óleo na sala onde deveríamos todos estar.

ap.

Quando é nunca

Quando a consciência causa, as arvores caem feito folhas. Cai dentro de um esgoto um anel dourado. Vive como corvo um martelo encolerizado. Morre como borboleta depois de um desprovido dia, alguma coisa, morre alguma coisa quando a consciência causa e ela nunca causa, existe sempre algo mais interessante a fazer, existe sempre um modo melhor para se consagrar um dia de borboleta.

ap.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

...

Entre as estrelas os vaga-lumes vão brilhar. Os anjos vão assistir com um sorriso de orelha a orelha, apenas porque é assim que tem de acontecer, é dessa forma, é agora, apenas porque tem de acontecer. E não se preocupe, nós fomos feitos um para o outro então não ah como algo dar errado. As estrelas vão tocar uma musica diferente, feita apenas pra isso. Em volta estarão os anjos felizes, as lagrimas de sua felicidade mergulharão no nosso corpo à medida que eu fico pedindo pra você me ajudar. Ajude-me a te amar, cada dia mais, até as lagrimas acabarem e eu sei, elas não acabam. Elas são eternas lagrimas salgadas de alegria e de suor. Porque até agora tudo que me fez suar valeu a pena.

ap.

Continue me lembrando sempre o quanto eu te amo. Porque assim como as águas de um rio se movem, eu me movo com você. A rua está vazia e estamos nela. Porque num vácuo podemos encontrar até uma sala de estar. Quando eu fecho os olhos e me vejo de verdade, tenho unhas molestadas e um cabelo enfurecido. E quando você fecha os olhos, como você me vê? Porque a verdade brilha no escuro como as estrelas do seu quarto. A verdade brilha e os parafusos furam, mas eles seguram também. De arte é que eu gosto de chamar, tudo num circulo só sempre mudando suas percepções sem deixar de ser o mesmo, a arte abrindo a cabeça que alguns podem chamar estupidamente de coração. Tudo está na cabeça. Não se aflija, ela pode ser maior que o mundo e o infinito, ela pode ser do tamanho que você imaginar e adivinhações não passam de jogos de azar.

ap.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Quando você não consegue

Eles querem que você se torne louca, mas não entre em pânico, isso não vai acontecer com você, não vai. Eles espetam isso em você e não entre em desespero, pense na tranquilidade, transporte sua mente para a paz conveniente, a paz longe de uma loucura posta em você. Mentalize o claro e bom. Imagine-se no céu, patinando entre as nuvens. Ou você pode ter asas e voar por ai junto com os pombos, você pode pisar na água e ela vai parecer gelatina de uva, você pode mergulhar fundo no mar sem se preocupar com oxigênio nos pulmões, você pode qualquer coisa, andar de balão, ouvir o silêncio, fugir do mundo, atravessar o cosmos. Mas sua mente esta canalizada demais com muitos pares de mãos em cima de você e então você fica louca.

ap.

domingo, 11 de julho de 2010

Juntos

Passam os carros, as luzes alegres, os postes inquietos, passam as pessoas divertidas e as bebidas coloridas e não coloridas. E eu estou aqui com você, bem aqui. As portas se abrem, as portas se fecham, elas fazem barulho. E eu estou aqui com você, exatamente aqui. A musica começa, a musica acaba, torna a tocar, partes não escuto, partes são familiares, desliga, liga. E eu estou aqui com você, justamente aqui. A lua vai, ela volta, desaparece e reaparece num salto, em segundos, milésimos. E eu estou aqui com você, precisamente aqui. Sorrisos. Eu estou aqui. Sorrisos. Estou aqui. Sorrisos. Aqui.

ap.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Como se(m)

Quando me encontro sozinha na banca de revistas, compro somente as de culinária. Como se houvesse para quem cozinhar. Entretida entre tortas de frango e bolos de damasco, espero o troco com um sorriso no rosto. Como se houvesse para quem sorrir. Saio de lá e quando me encontro sozinha na cafeteira abro minhas revistas de culinária. Como se não houvesse mais nada em que se ocupar. Leio-as atentamente. Como se o café não fosse o meu objetivo e eu podesse deixa-lo esfriar. Saio de lá e quando me encontro sozinha em casa, sento-me e choro. Como se houvesse por quem esperar.

ap.

domingo, 4 de julho de 2010

E assim fez-se uma bola

Deus e Lúcifer estavam sentados em marte, entediados como todos aqueles dias sem nomes que passavam naquele universo sem graça, até então. Deus suspira e Lúcifer bufa. A vida não seria tão engraçada se não fosse por aquele dia. Nesse dia Deus havia mandado seus anjos para um dia de folga, embora naquela época os dias de folgas fossem feitos com freqüência, muita freqüência. Aqueles anjos precisavam mesmo de um ofício. E Lúcifer, bem, Lúcifer era sempre sozinho e ali ele era monótono e não tinha nada a oferecer pra ninguém, assim era pensado. Principalmente depois que foi expulso do céu, as folgas não mais valiam para ele. Então sobraram somente os dois ali em marte, terra quente, um calor de lascar. Lúcifer chutava cascalhos enquanto resmungava. Deus continuava quieto sentado em seu lugar meditando. Que meditando que nada, ele queria mesmo era algo em que se ocupar, assim meio que pela eternidade.
- E é nisso que eu estou pensando toda essa tarde, querido Deus. Um mundo primoroso e divertido.

ap.

sábado, 3 de julho de 2010

Os chicletes de tutti-frutti, são os piores

Marietta mastigava seu chiclete de tutti-frutti violentamente, sua mandíbula estalava com os movimentos ansiosos de uma pré-adolescente. Até parecia estar ocupada com algo, mas não, o dia se desenrolava num tédio só. Ela balançava a perna pendurada na arquibancada da quadra de basquete, parecia uma prostituta. Cuspiu o chiclete e arrumou a postura rapidamente como se alguém estivesse a observá-la e repreende-la, mas ela estava sozinha na quadra, não, talvez Deus estivesse a observar seu mau jeito, falta de postura e de educação em todo lugar, merda, até no banheiro ele poderia estar, merda, também escutando tudo até o mínimo palavrão que ela proferisse. Merda. O sol queimava suas bochechas sardentas e sua nuca dura.

Chegando em casa abaixou-se em frente a porta do vizinho e espiou por debaixo dela, sua curiosidade era tanta que chegava a ser bem repugnante, criança chata e intrometida, era o que diziam. Como não viu nada, se levantou. Estava com vontade de outro chiclete. Entrou em casa, atirou os tênis em qualquer lugar, andou arrastando as meias no chão, atravessou o corredor, entrou no banheiro e fechou a porta. Se ajoelhou e rezou.

ap.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Menos que uma melancia e mais que uma uva

Vá até lá e me roube uma fruta. Não uma maçã, odeio maçãs, você já deveria saber disso. Uma uva? Não, uvas são pequenas, seria fácil demais. E se fossem várias uvas?! Veja bem, traga-me algo como uma goiaba ou uma laranja. Uma melancia também não, melancias ficam para relacionamentos mais sérios. Para nós tem de ser uma laranja ou uma goiaba, não uma maçã, repito, odeio-maçãs. Agora você sabe. O que fazer com a fruta? Iremos comê-la oras. Apesar de que o ponto central disso tudo não é a goiaba nem a laranja. Deixe a maçã fora disso. O real sentido está no ato de roubar, ou que seja, no ato de fazer qualquer coisa fora do sentido, do ciclo natural das coisas. E por que não comprá-la? Não seja tão bobo, pense. Uma fruta comprada não teria o mesmo gosto de uma roubada, é simples assim. Se você pode escolher a fruta? Claro, eu só estava dando dicas, como: Sem maçãs, uvas ou melancias. São as minhas únicas exceções, na verdade, com ênfase nas maçãs, uma uva ou uma melancia são apenas opções erradas. Embora creio eu, que com alguns argumentos eu poderia até degustar uma maçã. Estou facilitando tudo pra você, agora vá até lá e me rouba duas frutas, ou uma, eu divido com você.

ap.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Reticências antes e depois

[...]Nós fomos crescendo aos poucos porque sempre foi de nossa natureza ser assim, crescentes. Não porque havia em nós algo que nos empurrasse para mais perto, havia somente algo dentro de cada um separadamente que nos levava em algum lugar, alguma direção. Foi de completa sorte que a direção seja essa aqui, a que estamos indo, uma direção crescente. E nós só estamos crescendo assim porque estamos nos permitindo, essa é a parte em que as coisas acontecem. Pela permissão que concedemos um ao outro, isso sim posso dizer vir de nós, não separados e sim juntos, o nós. Porque só sendo um para se permitir. E a coisa toda está fluindo de um modo descontrolado dentro de mim, que por sua vez passa a ser em mim e não em nós, talvez em nós, mas tenho a certeza do em mim. Porque sempre foi tão fácil se descontrolar e jogar qualquer coisa pro alto que agora não, agora mesmo descontrolado eu não ouso levantar qualquer um dos braços, lançar seja qual for uma coisa que pede pra bater no teto só pra depois cair com mais força na minha cabeça, eu vou empurrando e descartando essas tais coisas e fico só com o descontrole que é também admitido como intensidade. E as coisas estão crescendo tanto em mim de um jeito que talvez ninguém suporte, nós precisamos ter um ritmo certo, igual, crescente assim como o meu passo que é descontrolado, descompassado, temperamental, intenso.[...]

ap.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Caleidoscópio

Ontem nós nos vimos e não foi de todo mal. O mar estava calmo e aquele barulho das folhas dos coqueiros é o meu favorito, já eram bem umas quatros horas da tarde, mas as pessoas daqui só fumam depois das dez, por isso estávamos pensando no que fazer ali enterrando os pés na areia úmida e clara da praia. Como teria sido a ultima vez em que eu entrei no mar? Eu me perguntava ora de olhos abertos ora de olhos fechados, não lembrava de forma nenhuma, devia fazer muito tempo mesmo, poderia sim claro, lembrar o ano ou em qual das férias de verão, mas não me passava na mente lembrar apenas disso, um dos momentos mais desesperadamente taciturnos que nós temos é não lembrar da alegria e quase sempre não lembramos mesmo. Não, eu não ia catar conchinhas e não ia caminhar, eu não voltaria na casa pra pegar uma bola e não estava nem um pouco afim de um sorvete. Enterrar meus pés na areia não estava de todo mal. E se você quer saber o silêncio também não era nada mal. Mas havíamos feito um esforço pra sair do cobertor quente de gente preguiçosa em praia, vestir qualquer roupa, esquecer as sandálias e descer até onde o vento bate mais forte, até onde a visão é mais limpa. Havíamos feito isso para chegarmos a algum lugar, e chegando a algum lugar achamos que precisávamos procurar por algo e somente procurando dentro de nós mesmos é que acharíamos. Dito e feito.

ap.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Chesire

Desculpe se ela não podia escrever nada feliz. E depois o papel estava tão longe que ela decidiu dizer tudo sem nenhum ensaio. Tudo sobre aquelas tais gotas e sobre a água que corre, corre, transborda, molha, afoga. Corre veloz a tempo de não ver. Transborda barulhenta entre beijos e abraços. Molha os olhos cansados. Afoga, afoga e somente afoga a alma em presságio. Ela decidiu puramente dizer, tudo sobre aquelas tais gotas até a ultima gota.

ap.

La bruja

Ele me perguntou se poderia entrar. O que poderia eu responder? Mesmo que não quisesse eu sabia que ele irromperia porta adentro sem minha permissão, era puramente piada que ele estava a fazer quando me questionando. Deixei-o entrar afinal, que ao menos eu fizesse de conta que me restara alguma vontade bem obedecida. Entrou de nariz empinado e postura que sabia se expressar mais que Frida Kahlo...

ap.

domingo, 27 de junho de 2010

Emoções de cozinha

[...]Ela passou o peito da mão desocupada na testa, tentando desgrudar todos os fios que haviam escorregado com saudades da boca e implicantes com ela. Lorenzo deveria ter ficado, Frida estava sem pressa. Frida tinha tudo na ponta da língua, mas era covarde demais para falar, ela preferia subestimar tudo até morrer, até ele morrer. Frida estava num beco sem saída, um beco escuro onde não se tem visão suficiente para ver o céu. Frida queria viver, mas teria que pagar caro por isso, teria sua memória até o fim. Um desejo anulava o outro automaticamente.[...]

ap.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A falta

E eu já havia escondido tanta falta de amor, tanta falta de dor e corações partidos que quando ele me olhou em meio a multidão eu não fiz menor questão de ir até lá, porque eu já andava escondendo tanta falta de abraços e tanta mais tanta mais tanta falta de histórias bobinhas a ser contadas embaixo do lençol que eu achei insípido e desnecessário tê-lo em mim porque eu estava ainda aos poucos fazendo uma coleção demorada da falta que havia em mim que isso o fez gritar, mas eu já demonstrava tanta falta de audição. Havia em mim tanta falta de fatalidades.

ap.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Desatino

Um dia você acorda e descobre que dentro do seu bolso existe a resposta pra tudo. Ai você começa a tentar colocar tudo dentro do seu bolso porque é lá que está toda resposta, todo o conhecimento almejado por você. E você o tem. Isso é fantástico. E outro dia eu descobri que não se pode colocar tudo dentro do seu bolso do conhecimento, chamamos assim. Descobri que não cabia aquele meu globo de luz, nem minha câmera do céu, nem meus óculos egocêntricos, nem minhas borboletas aquáticas, nem meu chapéu redondo, nem meus olhos de mãos, nem minhas almofadas indianas, nem meu batom vermelho e minha peruca de Marilyn Monroe, nem minhas bolhas de sabão, não cabia nem mesmo minha estrela preferida, que petulância minha estrela não caber no meu bolso. Mas sem essas coisas inúteis pra onde eu iria? Ia virar mochileira sem bagagem nos bolsos? Não se pode ir aonde se quer ir de mãos vazias, de mãos vazias não se pode ir a lugar nenhum. Decido. Decido trocar minha calça por um vestido sem bolsos. Ficarei por aqui mesmo até que você apareça e se disponha a carregar tudo por mim.

ap.

Clarice Lispector

Mesmo minhas alegrias, são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

sábado, 19 de junho de 2010

Bilhete

Querido Nill,

Quero te contar que nos dias que estão frios, você pode considerar como os dias sem você, são nublados eles todos, me deixa um medo bobo de nunca mais voltar a ser o que era, o que era com você ou antes de você, pra mim tanto faz, mas o medo de continuar assim persiste nesses dias frios, neles eu tomo um café bem quente, tão quente de queimar a língua, faço de propósito para tentar fazer da vida uma vida normal, não essa perfeição que é viver sem você.

Com fervor, Heide.

Ps: A normalidade é real e a perfeição é uma mentira.

ap.

Crianças são como algumas ciências exatas, ou você bate ou ignora. É pueril assim. Ou você ama ou não ama.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Sua resposta está E...RRADA

E ele foi logo respondendo que era afeto, a resposta para minha pergunta há muito tempo já sendo esperada era afeto. A-F-E-T-O? Eu nem me preocupei em dizer que ele estava errado, o tempo todo eu não vinha falando em afeto, o que o fez pensar em afeto? Eu não falava disso em nenhuma de nossas conversas, uma única, não. Não falava. Não falo. Até nem falo mais porque quando ele me respondeu somente levantei-me e irrompi porta a fora, é. Não preciso escutar a todo tempo o que não me é esperado, não que eu goste dos previsíveis, não que eu goste de alguma coisa, alguém. Não que eu espere algo, alguém. Não que eu não fale. Não que eu não pergunte, porque sim eu pergunto. Uma vez eu perguntei. Não que eu não responda, mas é. Eu não respondo, nem ele mais, nem mais ele, não que eu não brinque com as palavras, porque sim, eu brinco.

Alguns dias atrás. Horas. Não sei, não lembro:
- E eu, o que quero dizer com inclinação?

ap.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Não espero milagres

A humanidade precisa entender que quando duas pessoas não foram feitas para ficarem juntas, elas não foram feitas para ficarem juntas. E nem que o raio o parta, o mundo não vai mudar seu curso, em contrapartida, a chuva não cai do chão para bater no céu, ela não vai molhar seus pés primeiro. Não vamos acender a luz ao amanhecer. É elementar, a Terra não vai deixar de ser um circulo perfeito, o tempo não irá voltar nem parar e não irá acelerar. Você não tem de viver andando e ruminando pelo caminho mais sombrio e difícil. Vamos perceber ao invés de insistir e necessitamos apenas da ciência exata, aquela mesmo que todos os seres nasceram sabendo. Ama, porque quando a gente ama o mundo vira uma cama. Dessas camas de água que podem explodir a qualquer momento, eu disse qualquer momento. Ou nunca.

ap.

Respectivamente

Para mim sempre foi tudo ou nada. Vê como uma palavra pode mudar todo o curso dos acontecimentos, percebe como mais importante do que as palavras grandes, as palavras bonitas, talvez sejam as pequenas e solitárias palavras aptas a muito, as mais significativas, uma única letra intrometida entre duas palavras é capaz de mover mundos e fundos, responsável por me levar ao que chamamos de bem ou mal, porque para mim sempre foi tudo e nada.

ap.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Medo

Medo. Medo do que não existe, medo daquilo que consiste. Medo de acabar na forca dos pensamentos interrompidos e não ter nenhum meio para se gabar. Medo do lado ruim das coisas boas, medo de coisas boas. Medo da veemência. Medo da pequena esperança que por medo ainda tenho. Medo.

ap.

sábado, 5 de junho de 2010

Meio a meio

- Por onde diabos você anda?
Ele me perguntou bem assim, em tom de reprovação precipitada sabem?! Como era um bom ator, meu pai que o diga. E eu queria responder que ando mesmo com os diabos, ando meio atordoada, assustada com qualquer coisa, mas eu nunca gostei mesmo de palhaços, pois é. Nunca gostei de palhaços e as lagartixas são asquerosas, afinal, o rabo delas cresce mesmo de volta, descobertas de criança que tenho nessa idade, uma vergonha eu diria. E queria mesmo até responder que ando com vergonha. Eu queria responder onde eu queria estar. E eu até responderia que queria continuar andando com os diabos, assustada com répteis pequenos, e evitando ir ao circo. Mas é que depois daquele momento quase imperceptível, aquele entre o dormir e o acordar, eu descobri que há alguns minutos eu já não andava com os diabos, nem os répteis me faziam pular pra cima da cadeira, nem os palhaços me atormentavam mais. E eu finalmente pude responder que, eu respondi que, eu prometi que, eu apenas sabia o que era que eu, eu... Eu ainda não respondi.

ap.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A resposta não é "divergentes"

E foi engraçado o dia, como foi. Eu passei por você e me comportei como se não a tivesse visto, não sei por que eu fiz isso, achei que agir casualmente era assim, fazer de conta que não conhece justamente quem você reconheceria numa multidão, justamente aqueles olhos eu não poderia deixar passarem despercebidos, e não deixei acredite, era tudo fingimento de uma mente arrogante. E é por esse motivo que continuarei a passar por qualquer lugar demonstrando certa indiferença á seu respeito, mas saiba que eu sempre irei notar e também como já é de perceber desde aquele dia engraçado que eu mesmo possuindo uma mente arrogante irei ao fim dar meia volta, olha-la como se fosse à primeira vez, um olhar de surpresa e felicidade terna, e lhe beijarei as bochechas bronzeadas, porque eu bem sei que elas continuam bronzeadas, como sempre estiveram e sempre vão estar, as bochechas macias esperando meus beijos arrogantemente gentis.

ap.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

101

No dia ela arrumou até os lençóis da cama, deixou a casa limpa, com boa aparência. Engraçado seria se fosse outra a receber em sua casa, pois era mesmo isso, era outra, a outra. Acendeu um incenso, sentou no sofá e ficou a espera, calada, quieta, inerte. Mas quem poderia imaginar. Logo ela a ter paciência com esse tipo de coisa, logo ela a esperar alguém tão ansiosamente, engraçado, porque tudo que se passa pela cabeça dela não é nada, não importa... Ninguém se importa, então ela vivia assim no jeito seja o que Deus quiser e o tempo ia passando e passando e ninguém ligava mesmo então ela ia vivendo e vivendo. Vivia tanto que às vezes chegava a ser insuportável. Como pode alguém se apoderar da vida como ela se apoderava? E ainda por cima, ela nunca precisava esconder as facas, muito menos derramar uma lagrima, havia partes da vida que ela não fazia questão de apoderar-se e não se apoderava. Mas a minha querida moradora do apartamento 101, um dia se deparou com as surpresas do não apoderado.

ap.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

E o que havia entre minhas pernas até um dia atrás se foi feito poeira quando bate um vento no piano, vai embora e some. Some. Mas é porque era um desejo sujo, medíocre. Essa parte suja do desejo que me fazia bambolear, me deixava louca até arrancar todos os fios do cabelo. Era assim mesmo, acredite. Tudo estava indo de um jeito pirado até o fundo do poço, eu estava mesmo caindo? Ah, mas foi só porque tropecei numa pedra logo a beira do poço. Essa pedra acabou caindo dentro do meu sapato, e eu no poço com o sapato. Sapato, pedra, poço.

ap.

terça-feira, 25 de maio de 2010

...

E eu lhe perguntei o que eu queria dizer com inclinação... Ele ainda não respondeu.

ap.

Votos de casamento

E eu só quero que você saiba que quando te vi pela primeira vez com aquele vestidinho azul no calor do domingo na praia, bem ali, com aquelas crianças correndo de um lado pro outro, mesmo assim, bem ali, parecia ser apenas eu, você, o sol torrando teu ombro nu e o vestidinho azul que não esqueço, era um azul meio único assim, pra alguém que não entende cores nem moda, era o teu azul, o meu azul. Só quero que saiba que desde aquele domingo em chamas eu gostei de você, é, gostei de você. Depois a coisa toda foi se agravando e eu fui mais vezes a praia, o vestidinho azul até se repetiu. E desde então eu fui levando você de volta pra casa no meu pensamento. Meus pensamentos eram até despreocupados quanto a nós dois, eram parecidos com aquela música do eu gosto tanto de você, não, nem canto, minha voz não é tão afinada quanto o azul daquele vestido. Daí o tempo foi passando, maré cheia, maré baixa e você me tomou assim mesmo sem querer, sem perceber, do vestido eu não sei, ele sempre pareceu ser feito pra agradar, mas você não, você é algo diferente, é de tudo o mais belo que eu posso enxergar. Você não é um vestidinho azul suado com cheiro de protetor solar, você é pra mim o que eu simplesmente não posso nomear, não posso classificar, você é tudo, não, você é bem mais.

ap.

Diástole

A resposta está além do tudo escrito, o real sentido está além do tudo falado, a libido está além do tudo pensado.
Essa eterna diástole. Acredite, é eterna. O tempo parou, minha mão rebolou pelo vento e fui até sua casa, o caminho nem parecia escuro, visto que antes eu sempre precisava de algo para iluminar, uma lanterna, uma lamparina, o que fosse. Via agora o caminho todo, e as cores até mudavam, algumas vezes estava laranja, outras vezes azul, gostava dos dias em que estava azul, me lembrava o céu ou alguma pintura de livros infantis. O que eu quero que você entenda é que o céu do caminho até sua casa era iluminado, não o caminho em si, mas o céu. Isso não é delirante? A dádiva de algo supremo fez com que eu enxergasse tudo até sua casa. E até quando estava quase lá, passava pelo jardim e parava por alguns minutos tentando em sorte ver um vaga-lume, ver outra vez. Mas sabe... Eu parecia ter só azar, que parecia não acabar. E foi quando num caminho azul no minuto sete, parada em frente ao jardim já quase sem esperanças, já pensando pronunciar a palavra mais suicida possível: Adeus. Foi nesse minuto que eu vi um brilho discreto e alucinante, algo de outro mundo, nosso mundo, um vaga-lume no jardim passeando pela grama verde azulada. E então quero que você pense...
Pergunte-se porque eu ia a tua casa sempre à noite, pergunte-se.

ap.

sábado, 22 de maio de 2010

Estrangeiro

E é o que estranho quer dizer. Estranho quer dizer estranho.
Na malícia de encontrar um sinônimo encontro a decepção. Sinônimos não existem, sempre querem dizer a mesma coisa, como rodear um circo de estranheza. Circo estranho, estranho circo. Dá no mesmo. Mudamos as palavras, escondendo as verdadeiras, escondendo-as bem atrás de um circo de estranheza. Circo esse que por ser tão estranho é estranhamente um circo inexistente. Colocando ênfase a cada sinônimo que procuro. Que é o que estranho quer dizer.

ap.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Levavam...

As lágrimas levavam os dias complicados em que nada mais valia a não ser a cara enfiada no travesseiro, gritos silenciosos. Levavam os cortes nos pulsos nos dias em que nada mais valia a não ser a anestesia pelo sofrimento físico. As lágrimas levavam e embaçavam: A imagem de um olhar cético a espera de um empecilho. Levavam tudo, caia tudo lágrimas abaixo, era uma enxurrada de lençóis velhos, cadeiras antigas, pilhas e mais pilhas de livros desorganizados, marcados e rabiscados, pedaçinhos minúsculos de fotos, cartas românticas choravam a tinta preta da caneta, as lágrimas empurravam um amor pra fora de casa. Elas insistiam que fosse embora, num dia em que nada mais valia a não ser o arrependimento.

ap.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Porque eu sou poucas palavras

E a vida só pensa em me atrapalhar, coitada, não sabe ela que vai acabar se arrependendo de me fazer uma escrava-palhaça pro mundo-ser. Só pra ele ver, e achar que assim não me entende, achar que assim não pode ser. Que com ele tudo tende a cair e cair até lá embaixo onde não se encontra mais nada, onde a escuridão é corriqueira. Acontece que não é assim, não é bem assim, a escuridão até existe, essa enorme parte escura feita de ventos que dão curvas... Está entre nós.

ap.

domingo, 16 de maio de 2010

Nós somos íntimos sem ser

- Me beija logo de uma vez por todas, antes que o mundo se parta em dois e nos leve para longe daqui, em sentidos diferentes.
- Beijo.
- Espera.
- Que...
- Você me conhece?
- Claro.
- Quem eu sou?
- Eu não sei.
- Você me conhece?
- Claro.
- Quem eu sou então?
- Você é você.
- Não tem outra resposta melhor?
- Tenho.
- Me beija.
- Não.
- Por que?
- Porque eu tenho outra resposta melhor.
- Saber que uma resposta melhor existe em seu ser basta.
- Basta?
- Me beija.
- Beijo.
- Espera.
- Que...
- Eu não o conheço.
- Eu achei que sim.
- Pois é... Não.

ap.

sábado, 15 de maio de 2010

Cannabis

E desse mundo cão cuido eu, se eu não cuido, cuida você, se tem preguiça então deixa pra lá, desliga a TV, aumenta o volume do som e vamos dançar mal nessa pequenina sala desarrumada. Agarra minha mão direita para que eu não tenha por onde sair. Agarra a esquerda também e forma um circulo entre nós. O que terá dentro do circulo? Eu ainda não sei, mas aí você fecha o circulo e eu ajudo também, nos aproximamos lentamente. Solta minhas mãos para que eu possa mudar de opinião sobre estar junto a você. Agarro o teu pulso direito porque eu sempre fui muito egoísta, agarro teu pulso esquerdo porque eu sempre fui muito ambiciosa. Solto teus pulsos porque está tudo explícito. Sinto sua respiração pela boca tocando minha testa... Sinto sua respiração temperamental tocando meu nariz, cheiro doce, extremamente doce, mas pra mim o que não tem cheiro nem gosto nunca fez sentido.
- Quero sentir o doce do cheiro.
- Tem um isqueiro?
Porque você sempre entende muito mau o que eu falo.

ap.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Quinta-feira 12

Porque todos querem somente o recheio da bolacha, não sabem eles que o mais gostoso é saboreá-la toda.
Começar a devorá-la por abrir primeiramente e tirar o delicado recheio, comê-lo e depois com um olhar desolador engolir as outras duas partes que sobraram secas e duras. Poupe-me, é ridículo e sim, estou desmerecendo os que fazem. Inclusive eu. Porque todos optam pelo caminho mais curto, sem mais demora, sem mais esforço. Caminham certo e quando se deparam com o atalho, pisam na grama, passos longos para que ninguém perceba. Poupe-me, é ridículo e sim, estou desmerecendo os que fazem. Inclusive eu. Porque todos gostam de tapar o sol com a peneira, fazem de qualquer jeito, moldam o que já não precisa ser moldado, reparam problemas irreparáveis, perdem tempo com choros inconsoláveis, fazem o que não deve e quando devem não pagam. Poupe-me, é ridículo e sim, estou desmerecendo os que fazem. Inclusive eu. Porque todos sempre gostam muito mais de confundir, a luz no fim do túnel na verdade é sempre um farol do carro preparado para te atropelar. Poupe-me, é ridículo e sim, estou desmerecendo os que fazem. Inclusive eu.
Quebrei eu mesma o outro farol, e foi só pra te confundir. Talvez era mais de meia noite quando passei pelo túnel deixando seu corpo inerte.

ap.

Volta

Surrado, foi assim que chegou até mim. Amassado, pisado, rachado, sujo. Coitado. Aposto que ninguém ia querê-lo de volta, mas acontece que eu sempre fui pouco exigente, para tudo. Diziam sempre para não emprestar, não que eu seja teimosa, apenas não via o que perder... Não via o que ganhar, visto que eu sabia, tinha certeza que o teria de volta. Ele sempre volta afinal, assim mesmo, amassado, pisado, rachado, sujo. Coitado. Completamente surrado.

ap.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

...

Não é que eu tenha mania de reticências, mas é que você vai mais além... Um além escuro. Não me entenda mal. É por ser desconhecido, inexplorado. Então cá estou à espera de uma lanterna.

ap.

Para um dia ruim que foi bom

Ontem eu estava de bom humor, hoje foi tudo por água abaixo. A água levou meu sorriso. Levou minha paciência até para falar, falar que não espero mais, que não suporto mais, que já é demais, que faltou demais, que pediu demais e abusou demais, que esqueceu demais, ignorou demais e por fim, mas não menos importante é que hoje, mais do que qualquer outro dia, eu fui eu demais.

ap.

Tente

- Eu te pregaria um beijo muito longo.
- Porque um beijo?
- Porque é o que as pessoas fazem quando querem ficar juntas.
- Você não é como todos.
- Então sou o que?
- Apenas diga algo diferente.
- Mas eu quero te beijar.
- Tente.
- Passaria longe da sua boca. Consumiria o seu ser. Tentaria entende-la como a uma obra prima. Adormeceria com o cheiro de tinta que você emana.
- Faça.
- Você não está aqui.
- Eu até esqueci.

ap.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Canelas, caneladas

Como uma bala de canela. Eu sei que há outras mais agradáveis, mas prefiro essa, a de canela. Sentida ligeiramente ela esquenta a língua proporcionando que sinta um leve gosto adocicado. Sentida intensamente é como se milhões de alfinetes beliscassem até sua garganta, sempre sem abandonar o simples açúcar que desta vez parece mais apropriado ao paladar sofrendo pelas alfinetadas. Até me lembra maresia. A agonia é nostálgica, surpreendentemente boa.
Venha envolto num papel transparente e te chamarei de canela.

ap.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Passos para sair da minha vida

Você pegou minha mão como se precisasse de mim. Correu uma floresta inteira em busca do meu sorriso. Transformou meu descanso com alguns solos de outrem. Fazia sala, trancava a porta e me deixava do lado de fora até que eu, pouco esperta, ao invés de gritar, implorar, espernear para que você abrisse a porta e em seguida abrisse também um sorriso orgulhosamente brincalhão. Não, eu dava meia volta, corria o quarteirão pela metade até chegar do lado de trás da casa, e então entrava sorrateiramente, chegava de surpresa na sala e você se intrigava. Depois tudo sempre ficava bem, nós riamos e nos envergonhávamos, olhávamos para o chão em silencio e falávamos ao mesmo tempo. Só que depois, quando você decidia encontrar a chave para que eu fosse embora, tudo parecia ter sido vagamente inconsolado. E você sempre volta a tentar me agradar com maçãs bonitas, não esqueça que eu as odeio, apesar da beleza que hipnotiza, eu as odeio, o cheiro, a textura e principalmente aquele interior bizarro que quando exposto fica escuro com o passar de minutos. Pense bem, você pode estar apenas dando passos para sair da minha vida.

ap.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Preciso de sinônimos para me esconder

Um riso que de tão eufórico, de tão alegre se tornou um choro, um choro que de tão desesperado, de tão preso se tornou sanidade, um equilíbrio entre isso e a loucura, que de tão loucura se tornou inclinação. Um riso doentio. Senti medo de mim mesma. Eu não era mais a própria, mudava a todo segundo, de um riso para um choro, de um choro para um equilíbrio descontrolado, um balanceamento louco. O que se passava comigo afinal? Seria mesmo você ou só um equivoco da lua escondida pela ponta do telhado?

ap.

sábado, 8 de maio de 2010

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Mania de "pôr-do-sol"

Dormir de cintura marcada pelos teus dedos, acordar pela manhã em deslumbre, te descobrindo em mim. Achar-te em cada marca arroxeada. Buscar-te na dor dos lábios e encontrar sangramentos imperceptíveis. Coçar a bochecha que formiga em busca da tua. Esticar o braço até o outro lado da cama e não encontrar-te. Nem pela manhã, nem pela noite. Ao pôr-do-sol talvez.

ap.

Caio F. Abreu.

O dia em que Jupiter encontrou Saturno

-Você tem um cigarro?
-Estou tentando parar de fumar.
-Eu também. Mas queria uma coisa nas mãos agora.
-Você tem uma coisa nas mãos agora.
-Eu?
-Eu.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Por engano

Estava eu sentada em frente à TV desligada, esperando nada, ou talvez meu subconsciente esperasse sua ligação. Alternando as pernas de vez em quando, estava eu lá impaciente pela sua ligação que não era esperada. Olhei para os lados, e vi caixas lotadas de coisas inúteis; geralmente guarda-se primeiro as coisas inúteis, é o que todos fazem... Depois se preocupam com as mais importantes, preciso de uma pasta de dentes e um chocolate meio amargo. Passou-se mais um tempo em que eu me encontrava ali, topei com um sinal na ponta do polegar que não sabia que tinha. Quase colocando o pingente pequenino da corrente na boca, escuto um barulho de telefone, devolvo o pingente ao seu lugar e logo que me levanto descubro que não sei onde está o telefone.

Já são mais de três chamadas que perdi tentando acha-lo, o telefone. Entrei em quase todos os cômodos do apartamento, quando lembro... Cozinha. Chego rapidamente ao aparelho, tiro-o do gancho e sem mesmo escutar ou irromper com um alô ele começa a falar:
- Eu... Eu estava pensando em ir aí... Pois é. Eu preciso dizer, não importa mais, antes que você vá, antes que, tudo acabe pra você, eu preciso dizer que... Só espere um minuto e eu logo estarei na soleira da sua porta.

E antes que eu pudesse ao menos pensar em fazer algo, pensar em dizer que aquele não era mais o telefone de quem ele pensava ser, que era um incrível engano, que aquele homem já tivera seu coração partido, desde uma semana atrás quando a antiga moradora de meu atual apartamento se fora para bem longe, quem sabe. Antes que eu tomasse alguma posição, ele desligou. Sem ação, recoloquei o telefone no gancho, encostei-me na parede. Talvez ele desistisse no meio do caminho e desse uma meia volta. Talvez ele morresse no caminho, talvez ele decidisse pular de uma ponte pelo caminho. Mas talvez, só talvez ele viesse. E ele veio. Eu não sei nem quando, nem como, muito menos quem. Não sei quem começou. Só sei que demos início aos nossos encontros. Na soleira da porta, eu ouvinte, ele coração aberto. Sempre pensou que eu era Ela e eu sempre imaginei que ele era Ele.

ap.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Napoleão

Sempre ás seis horas da tarde eu o encontrava em seu ateliê. Sempre ás seis horas o encontrava com um humor distinto. Sempre ás seis horas estava com saudades dele. Sempre ás seis horas ele estava exausto, frustrado, inerte, risonho... Era um artista e artistas não são questionados. Gostava de ficar lhe espiando enquanto a tinta era jogada violentamente contra a tela, ele não percebia isso para minha sorte. E era sempre assim, sempre ás seis horas da tarde eu finalmente entrava na sala, tocava de leve suas costas, apreciando as manchas de tinta em lugares improváveis. Ficávamos ali por um bom tempo, sempre, envoltos num silêncio agradável.

Não sabia ao certo explicar sua arte, mas sempre soube que tinha algo a ver comigo. Até mesmo por parte da ferocidade com que a tinta era aplicada a pintura abstrata, me fazia lembrar de seu olhar vulgar em certas noites, a astúcia que me envolvia por completo me levava noite adentro. A própria utopia da obra me lembrava o desejo de sermos eternos um para o outro. Via-me na tela ainda branca equilibrada em seu tripé de madeira, me lembrava quem eu era antes dele. Orgulhava-me, pois eu era sua musa.

AP.

Vai saber...

Porque tudo que me faz rir, chorar, que me faz ficar com raiva, tem a ver com ele, de alguma remota forma está ligado, de certa maneira estamos ligados, não é por um acaso, deve ser o acaso. Fixação. Ilusão. Amor. Dever ser, algum a de ser, o nada ser é que não é. A minha assombração, o fantasma no meu quarto. Não é o tudo, mas também não é o nada. Não é o começo, nem o fim. Um paradoxo. Um meio termo. Sem fim. Totalmente mortal. Imortal. Vai saber. Vai entender a mente veloz que ultrapassará oceanos e chegará ao destino realmente esperado. O coração. Vai saber, se eu não chego amanhã... Ano que vem... Ou na outra vida.

AP.

sábado, 1 de maio de 2010

Marie Antoinette.

Apesar de qualquer coisa era um dia de sol em Viena, apesar de tudo o dia parecia mais brilhante e as pessoas mais mau-humoradas, esperaram um longo tempo até que a noticia de 2 de novembro enchesse o belo dia de esperanças ou planos. Passou-se longos anos em que entre eles promessas foram feitas e sendo assim a Áustria, cumpriram o que não prometeram. Logo parecia outra época e agora, Paris! Continuava a mesma, todo o arco-íris que era, toda a riqueza que ela vivia, toda a água luxuriante que era bebida encheram os olhos de uma criança solitária. Paris era, como nenhum outro lugar nunca foi e nunca será, o berço de tudo que se possa imaginar.

Depois de algum tempo frio finalmente o verão eterno chegou e foram anos de gargalhadas, anos inesquecíveis, o barulho das taças de bebida lhe enchia os ouvidos, as fichas de cores vibrantes lhe chamavam tão suavemente, os desenhos do baralho era em suma tão atraentes, a ópera era digna de aplausos e o cabelo platinado que cobria seus pensamentos e confusões era templo de expressão. E mesmo assim ela nunca para, é como um carrossel, ela pensa que girará para sempre, ela está bêbada e é só uma questão de tempo para que ela vomite no cavalo mais bonito.

E quem poderia duvidar? Quem poderia confiar? Ao som de um rock antiquado com uma taça na mão e uma máscara misteriosa ela fez o destino lhe contar os segredos do amor. Por que falar de amor quando devemos aqui falar da falta de pão? “Que comam bolo então” disse ela despreocupadamente e voltou ao seu dormitório, acompanhada é claro. Mas fatos mudam tudo e o carrossel girou mais algumas vezes, depois disso... Ela sobe por entre flores azul-realeza e amarelo-ouro, meu nome é França, dê-me um cigarro para ignorar, é a rainha assassina que está chegando.

AP.

Beirut.

Se ele fosse ao menos jovem, ele fugiria desta cidade agora, mas ele só bebe morte, somente morte, o copo está quase vazio. Se ele ao menos podesse dançar, mas ele não é mais tão ágil quanto antes, agora só escuta os passos, somente os passos, os ratos no bueiro. Ele queria nadar, queria mergulhar fundo, mas não tem pulmões para mais nada disso, não para nadar, só para fumar. Ele a viu ontem e gostou disso, ele não pode amar, nunca irá amar, pois para ele isso é só uma justificativa para fornicar. Faz um longo tempo, um longo tempo que não briga, ele não tem mais forças, só para se arrastar. Não vai mandar cartões postais, ele não tem dinheiro, não tem nenhum dinheiro, gastou tudo em vento. E se ele cantasse e o mal espantasse? Ele não tem voz, só para papear melancolia. Sua cabeça dói tanto, o que ele fez ontem? Ele não lembra, não lembra de nada, a vodca está no vômito da noite passada. Ele risca o giz na calçada, não quer desenhar, não sabe o que desenhar; talvez sua pobre infância já esquecida, não, ele não pode desenhar. Ainda tem suas pernas, milagre! Ele ao menos pode andar. Se arrastar pelas ruas de Nantes, belas ruas de Nantes.

AP.

Karen.

A única coisa que pode tirá-la desse abismo Karen, que pode fazê-la morrer em vida, pode salva-la em eternidade, pode rir, pode chorar, pode dar ou tomar, Karen, tu que não sabes nada da vida, pois ainda é só uma garotinha, pensa que o mundo é cor de rosa e a vida é uma simples e bonita parte da eternidade, pensa que é tudo justo e nada é uma dificuldade. Você sabe Karen minha luz, tudo pode escurecer quando se ama em abstinência. Karen, leia nas entrelinhas e você verá que a beleza de tudo, a bondade, está numa perfeita inexistência. Se eu morrer, desaparecer, te deixar ou simplesmente parar de escrever; quem dirá a verdade para ti Karen querida? Ninguém se sujeitará a assassinar sonhos de “criança”. Você um dia prestará atenção que não ao seu próprio umbigo e então verás que não existe religião, tudo se resume no que você crê e fim. Cresça minha Karen, e nada mudará, a partir de agora tudo será o mesmo tédio, o café morno, o tanto faz, porque a verdade que tenho lhe dito se resume em ninguém se importa. Não quero que se iluda com a morte, Karen meu anjo, porque assim como ela, só a presença dele não completa tudo, eu sei que não, porque ti ouvi dizer que a saudade lhe transbordava o coração, porque vi nos seus olhos que somente estar ali não adiantava, senti no seu humor que o sorriso era amarelo, quando você me deu a mão era por obrigação á amar outro que não ele, qualquer outro que enfim te desse o poder de encher a boca de hipocrisia e dizer:

AP.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Bem no pôr-do-sol.

A rua canta alegremente porque você chegou.
Tirou o casaco úmido e se jogou na minha cama, o gesto é grosso, mas você sempre consegue tornar tudo mais gracioso. Eu não sei por onde você anda antes de chegar aqui, não sei nem mesmo o que te faz passar o dia fora. Isso não me preocupa porque eu sei que você sempre vai voltar. Sempre no pôr-do-sol. Já deitado ao meu lado olhando pro teto vazio, vai tirar as botas sem as mãos, virar de lado e me beijar, me organizar começando por trazer de volta ao lugar uma alça fina do sutiã. Empurrar devagar para trás da orelha uma mecha que insiste em cair nos olhos. Agarrar minha cintura num gesto demorado e me fitar intimamente.
O quarto muda de cor a cada segundo, parece estar em chamas... Parece que estamos mergulhados em suco de laranja... Parece que estamos embriagados dentro de uma gigante garrafa de vinho... E por fim parecemos dois vaga-lumes na solidão da noite escura. Enquanto isso você diz sem falar que sabe muito bem que sou sua, somente sua.

AP.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ontem, ou foi antes de ontem.

No ultimo volume eu vou dançando sem me preocupar com absolutamente nada, porque você não é bom o bastante para mim, você não é realmente estável, seu humor oscila como a música, mas você não é tão bom quanto a música, sendo assim, prefiro ficar com ela. Eu daria tudo por algumas horas de sono na cama, sozinha; sou tão individualista que até você se cansou disso. Eu apostaria todas as minhas fichas que você diria adeus mais cedo ou mais tarde, sou tão pessimista que até você decidiu fazer minha vontade. Eu não vou ficar pra organizar toda essa bagunça que nós fizemos, sou tão irresponsável que até você percebeu. Você me olhava como se talvez me conhecesse, eu gostava tanto disso que até você parou de fazer. Estou na terra do nunca agora, aqui é tão bom, as vezes não sinto nada, entretanto, as vezes sinto tudo, várias luzes de todas as cores brilham por todos os lugares, parecem raios de sol coloridos e vai mudando de cor, mudando e eu dou uma gargalhada inocente porque é tão engraçado. Eu estava ridiculamente bonita hoje mas agora quase metade do meu penteado está fora do lugar, isso sempre acontece e eu nem lembro como acontece, é tão estranhamente engraçado. Mas essa noite é tudo magnético e eu não trocaria o dia pela noite e nem por um café bem gelado. A música está tinido no meu coração e tudo treme em sintonia com as batidas, a minha felicidade artificial parece feita por mágica, e eu sei que todos nós amamos isso, ser normal deve ser tão incrivelmente chato, eu não quero provar. Aqui, na terra no nunca é tudo tão mais interessante, eu posso ter fantasias totalmente inventadas, porque só assim para não se machucar, e elas até parecem reais, como uma gota de água gelada quando bate na nuca, é real assim, uma história que eu não sei contar duas vezes. Então memorize esta que começa mais ou menos assim: No ultimo volume eu vou dançando sem me preocupar com absolutamente nada...

AP.

domingo, 25 de abril de 2010

PF

Apenas três músicas do Pink Floyd nos une.
Não é o bastante para você? Eu achei que seria, por isso trouxe aqui comigo todas elas. Não, não falam de amor, disso é o que menos precisamos. A verdade é que não sei do que falam. A verdade é que não sou sinceramente sincera para pensar sobre o que precisamos, se eu preciso de uma coisa, você com certeza precisa de outra e no fim o remédio é o mesmo. As músicas acabaram sendo esquecidas com essa conversinha de remédio... Então tome logo o seu comprimido e eu irei aumentar o volume do som. Não, não vou tomar o meu agora, é melhor esperar um pouco... Por quê? Porque quero ver o efeito dele em você. Já tomou? Agora vamos esperar e enquanto ouvimos Pink Floyd não vamos falar, por favor, silêncio. Obrigada.

ap.

Azulejos.

Eu nunca soube como é bom, chorar de felicidade. Mas os azulejos amarelos me diziam a cada passo que eu dava que era tudo curto, que dali a pouco não haveria mais. Ah, aqueles azulejos fofoqueiros... Um dia eu ainda vou saber de algo que não sabem.

AP.

Mar de lantejoulas.

Essa alegria que já virou vício, essa vontade de repetir. E quem sabe não tem mais? Vai saber... Vai que a água da risada esgotou, bebi tudo de uma vez e a garrafa caiu no mar quando naveguei pra ir te buscar. Depois do tempo que não te vi, até achei que só estavas interessado em minha água, em meus sorrisos. E descobri só depois que aceitavas de bom grado a água do mar, salgada, minhas lágrimas. O que mais me agradava é que não tinhas sede dela, assim eu as guardava só pra mim e acumulava calada no fundo do barco.

AP.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

É você.

- “Em um planeta distante existia um garotinho solitário. Ele era completamente alheio a tudo que se possa imaginar, pois a tudo que se pode imaginar não existia em seu planeta. E assim ele nunca havia sentido o cheiro das rosas, nem visto sequer um único pôr-do-sol. O garotinho vivia triste, pois seu único conselheiro era ele mesmo e o coitadinho tinha tantas dúvidas! Via os outros planetas brilharem pequeninos sem saber a causa de tanta vivacidade. Via ele mesmo mudando suas feições sem saber a razão de uma nova aparência. Via seu planeta já tão vazio se tornar cada vez mais vazio sem saber o motivo para tanta impossibilidade. O garotinho ainda está lá em algum lugar no seu distante planeta esperando por um visitante que lhe apresente ao menos um pôr-do-sol.”
- Pobre garoto. E essa história, para quem é?
- Para você.

AP.

domingo, 18 de abril de 2010

Imaturidade

- Já disse.
- Disse o que então?
- Já disse que já disse.
- Você parece uma criança às vezes.
- Você parece uma sempre.
Olho-a indignado esperando mais uma série de defeitos ou um difícil pedido de desculpas, nenhum dos dois, ao invés disso, uma explicação.
- Acabo sempre por lhe imitar, talvez funcione como uma espécie de prova do seu próprio veneno.
Calo. Provar do seu veneno pode ser fatal, dói muito mais do que ela pensa.

AP.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Botas.

Já considerou a hipótese de ser sua culpa? Porque metade das pessoas que andam por aí sozinhas já passaram por isso. Nem sentem a neve congelando o solado de suas botas quentinhas, nem percebem que o externo também sofre, pensam que o lado de fora não importa. Elas pisam com força e matam os insetos no seu caminho. O ocultado no chão fica tão sujo que é melhor mesmo que seja sempre escondido. Ninguém o conhece, porém ele é essencial, com sua ausência, os pés ficariam insuportavelmente gelados, as meias acabariam molhadas de neve derretida.
Você já se sentiu o solado de uma bota velha?

AP.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Ao seu lado.

Como se tivesse corrido quilômetros e de repente parado, parado até sem motivos e estou ofegando porque a corrida até aqui foi longa e eu não fiz nada para estendê-la, também não cortei caminhos, eu fiz tudo corretamente. Eu respiro sem parar e ar nenhum enche meus pulmões. Tento me acalmar na esperança de que passe. E não passa. Olho pro teto tentando me concentrar em outra coisa. Não me concentro e não sei mais o que fazer. Logo me ocorre que não há nada a fazer a não ser esperar, porque agora eu finalmente parei e não vou continuar. Não, talvez eu possa fazer algo, eu posso muito bem sair por essa porta não muito longe de modo a enxergá-la pequena e sair assim, simplesmente. Depois disso ficarei livre de crises e viva ao desapego! Ando rápido em direção a porta. Como quero chegar até lá! Um desejo incomparável o que sinto. Vejo-a ficando cada vez maior e maior até que fica maior que eu mesma. Estendo o braço em êxtase e decididamente giro a maçaneta, mas a porta não abre, giro várias outras vezes crendo na desculpa de ser só uma questão de “jeito”, nada, descubro que estou presa e não há janelas e muito menos outras portas, estou presa no escuro e sem fôlego, estou presa dentro de você.

AP.

quinta-feira, 25 de março de 2010

O tempo segundo Milésimo.

Milésimo se achava no alto da escada, conforme os dias passavam, ali, cada vez mais. Medo crescendo. Olhar fixo perdido lá embaixo. Cabeça se aproximando do teto, via a escada menor... Descobria como era difícil deixar de ser criança.

AP.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Duas ou mais coisas que não sei.

Porque quando eu esquecer de mim mesma eu tentarei fazer com que todos sejam livres. Quem pegar o que está ao meu redor vai refletir no silêncio das borboletas. A vida me permite achar filosofias vãs que na vida não serve. Por que então ser feliz? Procurar por isso a vida toda e ela toda não fica feliz. Sinto orgulho de sentir, mas só de sentir orgulho porque sentir não sinto. A vida espera que eu grite aos quatro cantos o que? Só se for aos quatro cantos do quarto do hospício aonde não irei, enlouqueci e ninguém percebeu porque já eram todos insanos antes de mim. Nesta hora amanhã onde estaremos? A beleza é não saber. Existem milhões de histórias para se contar numa fogueira, mas e quando ela está apagada? Sim, o mundo fica escuro. Seja verdadeiro sempre, porque eu juro, eu vejo humor onde não tem. Porque só quando você decidir estará tudo bem, tudo bem.

AP.

segunda-feira, 15 de março de 2010

As vezes a vida é perfeita...

Não é? Ela tem que ser! Para compensar tudo de ruim que acontece. Você tem que aprender a andar, tem que aprender a falar, tem que usar o chapéu ridículo que a sua avó comprou pra você. Sua opnião não conta. Quando você cresce um pouco, pode escolher seus chapéus; mas não pode escolher o que botam nas almondegas da cantina, ou quando se apaixonar. As coisas acontecem e você tem que se virar.

(do filme: How to deal)

domingo, 14 de março de 2010

Domingos.

E eu? O que direi nos dias que não poderei suportar? Infelizes dias, serão tão cheios da tua ausência, serão tão cheios do silêncio que me consumirá viva, serão eternos domingos chatos e inúteis, sem ti será tudo vazio. O que direi? Direi que simplesmente não posso suportar? Eu largarei os lenços e mostrarei meus dentes amarelos a qualquer um que talvez não mereça o que só diz respeito a ti? Será neste domingo que sorrirei e sem ti? Além do mais, sem ti. Não, não sorrirei, não vou chorar, não andarei por aí sem rumo, não escreverei, tu não mereces decifrar minhas cartas, você foi embora, e agora eu não precisarei suportar nada, nunca verá meu sorriso outra vez, nunca mais enxugará minhas lagrimas porque para morrer num domingo é muito fácil.

AP.

sábado, 13 de março de 2010

Nunca mais.

Isso nunca mais apareceu na minha porta me chamando pra ser feliz. Isso nunca mais me atormentou tentando me jogar no poço. Isso nunca mais foi ao extremo cínico dizendo que era tudo brincadeira, porque eu e isso sabíamos que não era. Porque eu e isso sabíamos combinar as palavras e só por saber, misturávamos tudo numa perfeita sintonia que só por ser perfeita era guardada a sete chaves.

AP.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Abra seus olhos.

Diga-me que agora você abriu seus olhos, e que no fundo você sempre soube que eu era assim, todo errado pra você, que você mal me julgou pela capa e seus olhos não reviraram naquela noite. Admita que você nunca quis borrar seu batom ao me beijar, admita que as horas estão no lixeiro e ninguém vai reciclar. Naquela manhã você me abraçou porque estava com frio, só admita. Olhe nos meus olhos agora e perceba que tudo que passou não passou, não esteve, nunca foi. Admita que eu nunca fui uma sombra pra você, porque por mais que eu tenha ficado todo esse tempo, o meu álcool não te embriagou. Admita que eu sou uma gripe, que sempre fui um pesadelo e quando você acordava tudo continuava na mesma. Admita que eu nunca fui seu. Admita toda a verdade que nos faltou todo esse tempo, admita que eu era frio e todo por fora. Admita que eu nunca fui os cortes do seu álbum, diga-me que eu sempre fui os retalhos inúteis. Admita que eu sempre fui ultima opção e nem isso sou mais. E agora diga sim, somente sim para o final. Admita. Admita que eu bebia todas sem me importar, admita também que você acabou tirando isso de mim. Admita que eu nunca fui pedaços seus, e nunca quis ser. Admita que você não vai devolver o diamante e por mais que eu tenha coragem, não pedirei de volta. Admita que eu nunca gostei de mim mesmo enquanto estive ao seu lado. Admita que eu nunca mais verei seus olhos chatos que não fechavam nunca com meus sonhos. Diga-me que a dor de estar comigo não tinha nome. Admita que você nunca quis se arranhar na minha barba por fazer.
Admita que eu sou um pseudoamor.

AP.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Chamei de meu conto.

O sofrimento... O doce sofrimento...
Eu gritei, berrei, quando me disseram que te amo.
Daqui de cima me sinto respeitável, grande. A cidade é um contraste, é o dia na noite. Estou sonolenta, porém a dor de cabeça não me deixa dormir, depois que me disseram que te amo, não consegui. O vento desembaraça meu cabelo suavemente, o cheiro indigesto da cidade muito abaixo chega até mim e aqui, ao meu redor não existe quase nada, é o meu pequeno espaço. É o meu extremo. Aqui você não cabe. Meus pés estão frios descalços do outro lado da grande vidraça, já minhas mãos e a ponta do nariz parecem mortas. Minhas unhas estão molestadas, meu cabelo sujo há dias, e eu que queria ser ao menos “um mistério” passarei a ser apenas “uma rotina de dor”. Logo eu que era inteiramente garras e sonhos, depois que me disseram que te amo me tranquei e engoli a chave. Desaprendi a descansar e não sou autodidata. Mãos agarradas na parede, no nada; joelhos trêmulos; de estantes em estantes barriga congelada; Dedos dos pés no amplo vácuo entre eu e a cidade iluminada, lá embaixo, toda animada.
O que me conforta é saber que as cicatrizes nos ajudam a lembrar que o passado foi real.

AP.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Sucinto.

E foi quando eu disse sem nem mesmo perceber. O meu medo de dizer desapareceu para um lugar sem nome, eu tinha receio de algo que já estava dito fazia tempos. Estava dito na minha face. Por onde eu pisava estava dito, nos rastros. Nas lágrimas atrapalhadas com a água do chuveiro, estava dito. Quando eu passava o dedo na poeira do meu quarto, deixava lá escrito, estava dito. E não tinha pra onde correr porque já havia se espalhado em todo o ambiente, nos cantinhos sem vigilância e no teto sujo com teias de aranha, nas teias estava escrito, estava dito. Estava dito em tudo que eu dizia, com palavras minuciosamente escolhidas para não expor e mesmo assim era tudo dito, subentendido. No meu olhar estava dito. Os cílios avisavam aos olhos que uma vez dito, dito para sempre, sem volta. Os olhos não queriam volta, queriam dizer pra sempre e que fosse pra sempre dito: Eu te amo.

AP.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Eu não tenho detalhes, eu sou somente um todo... Incompleto. Nesta forca que chamamos de começo.

Aluska Paula.