Sempre ás seis horas da tarde eu o encontrava em seu ateliê. Sempre ás seis horas o encontrava com um humor distinto. Sempre ás seis horas estava com saudades dele. Sempre ás seis horas ele estava exausto, frustrado, inerte, risonho... Era um artista e artistas não são questionados. Gostava de ficar lhe espiando enquanto a tinta era jogada violentamente contra a tela, ele não percebia isso para minha sorte. E era sempre assim, sempre ás seis horas da tarde eu finalmente entrava na sala, tocava de leve suas costas, apreciando as manchas de tinta em lugares improváveis. Ficávamos ali por um bom tempo, sempre, envoltos num silêncio agradável.
Não sabia ao certo explicar sua arte, mas sempre soube que tinha algo a ver comigo. Até mesmo por parte da ferocidade com que a tinta era aplicada a pintura abstrata, me fazia lembrar de seu olhar vulgar em certas noites, a astúcia que me envolvia por completo me levava noite adentro. A própria utopia da obra me lembrava o desejo de sermos eternos um para o outro. Via-me na tela ainda branca equilibrada em seu tripé de madeira, me lembrava quem eu era antes dele. Orgulhava-me, pois eu era sua musa.
AP.
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sem coerência,