segunda-feira, 31 de maio de 2010

101

No dia ela arrumou até os lençóis da cama, deixou a casa limpa, com boa aparência. Engraçado seria se fosse outra a receber em sua casa, pois era mesmo isso, era outra, a outra. Acendeu um incenso, sentou no sofá e ficou a espera, calada, quieta, inerte. Mas quem poderia imaginar. Logo ela a ter paciência com esse tipo de coisa, logo ela a esperar alguém tão ansiosamente, engraçado, porque tudo que se passa pela cabeça dela não é nada, não importa... Ninguém se importa, então ela vivia assim no jeito seja o que Deus quiser e o tempo ia passando e passando e ninguém ligava mesmo então ela ia vivendo e vivendo. Vivia tanto que às vezes chegava a ser insuportável. Como pode alguém se apoderar da vida como ela se apoderava? E ainda por cima, ela nunca precisava esconder as facas, muito menos derramar uma lagrima, havia partes da vida que ela não fazia questão de apoderar-se e não se apoderava. Mas a minha querida moradora do apartamento 101, um dia se deparou com as surpresas do não apoderado.

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quarta-feira, 26 de maio de 2010

E o que havia entre minhas pernas até um dia atrás se foi feito poeira quando bate um vento no piano, vai embora e some. Some. Mas é porque era um desejo sujo, medíocre. Essa parte suja do desejo que me fazia bambolear, me deixava louca até arrancar todos os fios do cabelo. Era assim mesmo, acredite. Tudo estava indo de um jeito pirado até o fundo do poço, eu estava mesmo caindo? Ah, mas foi só porque tropecei numa pedra logo a beira do poço. Essa pedra acabou caindo dentro do meu sapato, e eu no poço com o sapato. Sapato, pedra, poço.

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terça-feira, 25 de maio de 2010

...

E eu lhe perguntei o que eu queria dizer com inclinação... Ele ainda não respondeu.

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Votos de casamento

E eu só quero que você saiba que quando te vi pela primeira vez com aquele vestidinho azul no calor do domingo na praia, bem ali, com aquelas crianças correndo de um lado pro outro, mesmo assim, bem ali, parecia ser apenas eu, você, o sol torrando teu ombro nu e o vestidinho azul que não esqueço, era um azul meio único assim, pra alguém que não entende cores nem moda, era o teu azul, o meu azul. Só quero que saiba que desde aquele domingo em chamas eu gostei de você, é, gostei de você. Depois a coisa toda foi se agravando e eu fui mais vezes a praia, o vestidinho azul até se repetiu. E desde então eu fui levando você de volta pra casa no meu pensamento. Meus pensamentos eram até despreocupados quanto a nós dois, eram parecidos com aquela música do eu gosto tanto de você, não, nem canto, minha voz não é tão afinada quanto o azul daquele vestido. Daí o tempo foi passando, maré cheia, maré baixa e você me tomou assim mesmo sem querer, sem perceber, do vestido eu não sei, ele sempre pareceu ser feito pra agradar, mas você não, você é algo diferente, é de tudo o mais belo que eu posso enxergar. Você não é um vestidinho azul suado com cheiro de protetor solar, você é pra mim o que eu simplesmente não posso nomear, não posso classificar, você é tudo, não, você é bem mais.

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Diástole

A resposta está além do tudo escrito, o real sentido está além do tudo falado, a libido está além do tudo pensado.
Essa eterna diástole. Acredite, é eterna. O tempo parou, minha mão rebolou pelo vento e fui até sua casa, o caminho nem parecia escuro, visto que antes eu sempre precisava de algo para iluminar, uma lanterna, uma lamparina, o que fosse. Via agora o caminho todo, e as cores até mudavam, algumas vezes estava laranja, outras vezes azul, gostava dos dias em que estava azul, me lembrava o céu ou alguma pintura de livros infantis. O que eu quero que você entenda é que o céu do caminho até sua casa era iluminado, não o caminho em si, mas o céu. Isso não é delirante? A dádiva de algo supremo fez com que eu enxergasse tudo até sua casa. E até quando estava quase lá, passava pelo jardim e parava por alguns minutos tentando em sorte ver um vaga-lume, ver outra vez. Mas sabe... Eu parecia ter só azar, que parecia não acabar. E foi quando num caminho azul no minuto sete, parada em frente ao jardim já quase sem esperanças, já pensando pronunciar a palavra mais suicida possível: Adeus. Foi nesse minuto que eu vi um brilho discreto e alucinante, algo de outro mundo, nosso mundo, um vaga-lume no jardim passeando pela grama verde azulada. E então quero que você pense...
Pergunte-se porque eu ia a tua casa sempre à noite, pergunte-se.

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sábado, 22 de maio de 2010

Estrangeiro

E é o que estranho quer dizer. Estranho quer dizer estranho.
Na malícia de encontrar um sinônimo encontro a decepção. Sinônimos não existem, sempre querem dizer a mesma coisa, como rodear um circo de estranheza. Circo estranho, estranho circo. Dá no mesmo. Mudamos as palavras, escondendo as verdadeiras, escondendo-as bem atrás de um circo de estranheza. Circo esse que por ser tão estranho é estranhamente um circo inexistente. Colocando ênfase a cada sinônimo que procuro. Que é o que estranho quer dizer.

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sexta-feira, 21 de maio de 2010

Levavam...

As lágrimas levavam os dias complicados em que nada mais valia a não ser a cara enfiada no travesseiro, gritos silenciosos. Levavam os cortes nos pulsos nos dias em que nada mais valia a não ser a anestesia pelo sofrimento físico. As lágrimas levavam e embaçavam: A imagem de um olhar cético a espera de um empecilho. Levavam tudo, caia tudo lágrimas abaixo, era uma enxurrada de lençóis velhos, cadeiras antigas, pilhas e mais pilhas de livros desorganizados, marcados e rabiscados, pedaçinhos minúsculos de fotos, cartas românticas choravam a tinta preta da caneta, as lágrimas empurravam um amor pra fora de casa. Elas insistiam que fosse embora, num dia em que nada mais valia a não ser o arrependimento.

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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Porque eu sou poucas palavras

E a vida só pensa em me atrapalhar, coitada, não sabe ela que vai acabar se arrependendo de me fazer uma escrava-palhaça pro mundo-ser. Só pra ele ver, e achar que assim não me entende, achar que assim não pode ser. Que com ele tudo tende a cair e cair até lá embaixo onde não se encontra mais nada, onde a escuridão é corriqueira. Acontece que não é assim, não é bem assim, a escuridão até existe, essa enorme parte escura feita de ventos que dão curvas... Está entre nós.

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domingo, 16 de maio de 2010

Nós somos íntimos sem ser

- Me beija logo de uma vez por todas, antes que o mundo se parta em dois e nos leve para longe daqui, em sentidos diferentes.
- Beijo.
- Espera.
- Que...
- Você me conhece?
- Claro.
- Quem eu sou?
- Eu não sei.
- Você me conhece?
- Claro.
- Quem eu sou então?
- Você é você.
- Não tem outra resposta melhor?
- Tenho.
- Me beija.
- Não.
- Por que?
- Porque eu tenho outra resposta melhor.
- Saber que uma resposta melhor existe em seu ser basta.
- Basta?
- Me beija.
- Beijo.
- Espera.
- Que...
- Eu não o conheço.
- Eu achei que sim.
- Pois é... Não.

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sábado, 15 de maio de 2010

Cannabis

E desse mundo cão cuido eu, se eu não cuido, cuida você, se tem preguiça então deixa pra lá, desliga a TV, aumenta o volume do som e vamos dançar mal nessa pequenina sala desarrumada. Agarra minha mão direita para que eu não tenha por onde sair. Agarra a esquerda também e forma um circulo entre nós. O que terá dentro do circulo? Eu ainda não sei, mas aí você fecha o circulo e eu ajudo também, nos aproximamos lentamente. Solta minhas mãos para que eu possa mudar de opinião sobre estar junto a você. Agarro o teu pulso direito porque eu sempre fui muito egoísta, agarro teu pulso esquerdo porque eu sempre fui muito ambiciosa. Solto teus pulsos porque está tudo explícito. Sinto sua respiração pela boca tocando minha testa... Sinto sua respiração temperamental tocando meu nariz, cheiro doce, extremamente doce, mas pra mim o que não tem cheiro nem gosto nunca fez sentido.
- Quero sentir o doce do cheiro.
- Tem um isqueiro?
Porque você sempre entende muito mau o que eu falo.

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sexta-feira, 14 de maio de 2010

Quinta-feira 12

Porque todos querem somente o recheio da bolacha, não sabem eles que o mais gostoso é saboreá-la toda.
Começar a devorá-la por abrir primeiramente e tirar o delicado recheio, comê-lo e depois com um olhar desolador engolir as outras duas partes que sobraram secas e duras. Poupe-me, é ridículo e sim, estou desmerecendo os que fazem. Inclusive eu. Porque todos optam pelo caminho mais curto, sem mais demora, sem mais esforço. Caminham certo e quando se deparam com o atalho, pisam na grama, passos longos para que ninguém perceba. Poupe-me, é ridículo e sim, estou desmerecendo os que fazem. Inclusive eu. Porque todos gostam de tapar o sol com a peneira, fazem de qualquer jeito, moldam o que já não precisa ser moldado, reparam problemas irreparáveis, perdem tempo com choros inconsoláveis, fazem o que não deve e quando devem não pagam. Poupe-me, é ridículo e sim, estou desmerecendo os que fazem. Inclusive eu. Porque todos sempre gostam muito mais de confundir, a luz no fim do túnel na verdade é sempre um farol do carro preparado para te atropelar. Poupe-me, é ridículo e sim, estou desmerecendo os que fazem. Inclusive eu.
Quebrei eu mesma o outro farol, e foi só pra te confundir. Talvez era mais de meia noite quando passei pelo túnel deixando seu corpo inerte.

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Volta

Surrado, foi assim que chegou até mim. Amassado, pisado, rachado, sujo. Coitado. Aposto que ninguém ia querê-lo de volta, mas acontece que eu sempre fui pouco exigente, para tudo. Diziam sempre para não emprestar, não que eu seja teimosa, apenas não via o que perder... Não via o que ganhar, visto que eu sabia, tinha certeza que o teria de volta. Ele sempre volta afinal, assim mesmo, amassado, pisado, rachado, sujo. Coitado. Completamente surrado.

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quinta-feira, 13 de maio de 2010

...

Não é que eu tenha mania de reticências, mas é que você vai mais além... Um além escuro. Não me entenda mal. É por ser desconhecido, inexplorado. Então cá estou à espera de uma lanterna.

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Para um dia ruim que foi bom

Ontem eu estava de bom humor, hoje foi tudo por água abaixo. A água levou meu sorriso. Levou minha paciência até para falar, falar que não espero mais, que não suporto mais, que já é demais, que faltou demais, que pediu demais e abusou demais, que esqueceu demais, ignorou demais e por fim, mas não menos importante é que hoje, mais do que qualquer outro dia, eu fui eu demais.

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Tente

- Eu te pregaria um beijo muito longo.
- Porque um beijo?
- Porque é o que as pessoas fazem quando querem ficar juntas.
- Você não é como todos.
- Então sou o que?
- Apenas diga algo diferente.
- Mas eu quero te beijar.
- Tente.
- Passaria longe da sua boca. Consumiria o seu ser. Tentaria entende-la como a uma obra prima. Adormeceria com o cheiro de tinta que você emana.
- Faça.
- Você não está aqui.
- Eu até esqueci.

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quarta-feira, 12 de maio de 2010

Canelas, caneladas

Como uma bala de canela. Eu sei que há outras mais agradáveis, mas prefiro essa, a de canela. Sentida ligeiramente ela esquenta a língua proporcionando que sinta um leve gosto adocicado. Sentida intensamente é como se milhões de alfinetes beliscassem até sua garganta, sempre sem abandonar o simples açúcar que desta vez parece mais apropriado ao paladar sofrendo pelas alfinetadas. Até me lembra maresia. A agonia é nostálgica, surpreendentemente boa.
Venha envolto num papel transparente e te chamarei de canela.

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terça-feira, 11 de maio de 2010

Passos para sair da minha vida

Você pegou minha mão como se precisasse de mim. Correu uma floresta inteira em busca do meu sorriso. Transformou meu descanso com alguns solos de outrem. Fazia sala, trancava a porta e me deixava do lado de fora até que eu, pouco esperta, ao invés de gritar, implorar, espernear para que você abrisse a porta e em seguida abrisse também um sorriso orgulhosamente brincalhão. Não, eu dava meia volta, corria o quarteirão pela metade até chegar do lado de trás da casa, e então entrava sorrateiramente, chegava de surpresa na sala e você se intrigava. Depois tudo sempre ficava bem, nós riamos e nos envergonhávamos, olhávamos para o chão em silencio e falávamos ao mesmo tempo. Só que depois, quando você decidia encontrar a chave para que eu fosse embora, tudo parecia ter sido vagamente inconsolado. E você sempre volta a tentar me agradar com maçãs bonitas, não esqueça que eu as odeio, apesar da beleza que hipnotiza, eu as odeio, o cheiro, a textura e principalmente aquele interior bizarro que quando exposto fica escuro com o passar de minutos. Pense bem, você pode estar apenas dando passos para sair da minha vida.

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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Preciso de sinônimos para me esconder

Um riso que de tão eufórico, de tão alegre se tornou um choro, um choro que de tão desesperado, de tão preso se tornou sanidade, um equilíbrio entre isso e a loucura, que de tão loucura se tornou inclinação. Um riso doentio. Senti medo de mim mesma. Eu não era mais a própria, mudava a todo segundo, de um riso para um choro, de um choro para um equilíbrio descontrolado, um balanceamento louco. O que se passava comigo afinal? Seria mesmo você ou só um equivoco da lua escondida pela ponta do telhado?

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sábado, 8 de maio de 2010

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Mania de "pôr-do-sol"

Dormir de cintura marcada pelos teus dedos, acordar pela manhã em deslumbre, te descobrindo em mim. Achar-te em cada marca arroxeada. Buscar-te na dor dos lábios e encontrar sangramentos imperceptíveis. Coçar a bochecha que formiga em busca da tua. Esticar o braço até o outro lado da cama e não encontrar-te. Nem pela manhã, nem pela noite. Ao pôr-do-sol talvez.

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Caio F. Abreu.

O dia em que Jupiter encontrou Saturno

-Você tem um cigarro?
-Estou tentando parar de fumar.
-Eu também. Mas queria uma coisa nas mãos agora.
-Você tem uma coisa nas mãos agora.
-Eu?
-Eu.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Por engano

Estava eu sentada em frente à TV desligada, esperando nada, ou talvez meu subconsciente esperasse sua ligação. Alternando as pernas de vez em quando, estava eu lá impaciente pela sua ligação que não era esperada. Olhei para os lados, e vi caixas lotadas de coisas inúteis; geralmente guarda-se primeiro as coisas inúteis, é o que todos fazem... Depois se preocupam com as mais importantes, preciso de uma pasta de dentes e um chocolate meio amargo. Passou-se mais um tempo em que eu me encontrava ali, topei com um sinal na ponta do polegar que não sabia que tinha. Quase colocando o pingente pequenino da corrente na boca, escuto um barulho de telefone, devolvo o pingente ao seu lugar e logo que me levanto descubro que não sei onde está o telefone.

Já são mais de três chamadas que perdi tentando acha-lo, o telefone. Entrei em quase todos os cômodos do apartamento, quando lembro... Cozinha. Chego rapidamente ao aparelho, tiro-o do gancho e sem mesmo escutar ou irromper com um alô ele começa a falar:
- Eu... Eu estava pensando em ir aí... Pois é. Eu preciso dizer, não importa mais, antes que você vá, antes que, tudo acabe pra você, eu preciso dizer que... Só espere um minuto e eu logo estarei na soleira da sua porta.

E antes que eu pudesse ao menos pensar em fazer algo, pensar em dizer que aquele não era mais o telefone de quem ele pensava ser, que era um incrível engano, que aquele homem já tivera seu coração partido, desde uma semana atrás quando a antiga moradora de meu atual apartamento se fora para bem longe, quem sabe. Antes que eu tomasse alguma posição, ele desligou. Sem ação, recoloquei o telefone no gancho, encostei-me na parede. Talvez ele desistisse no meio do caminho e desse uma meia volta. Talvez ele morresse no caminho, talvez ele decidisse pular de uma ponte pelo caminho. Mas talvez, só talvez ele viesse. E ele veio. Eu não sei nem quando, nem como, muito menos quem. Não sei quem começou. Só sei que demos início aos nossos encontros. Na soleira da porta, eu ouvinte, ele coração aberto. Sempre pensou que eu era Ela e eu sempre imaginei que ele era Ele.

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terça-feira, 4 de maio de 2010

Napoleão

Sempre ás seis horas da tarde eu o encontrava em seu ateliê. Sempre ás seis horas o encontrava com um humor distinto. Sempre ás seis horas estava com saudades dele. Sempre ás seis horas ele estava exausto, frustrado, inerte, risonho... Era um artista e artistas não são questionados. Gostava de ficar lhe espiando enquanto a tinta era jogada violentamente contra a tela, ele não percebia isso para minha sorte. E era sempre assim, sempre ás seis horas da tarde eu finalmente entrava na sala, tocava de leve suas costas, apreciando as manchas de tinta em lugares improváveis. Ficávamos ali por um bom tempo, sempre, envoltos num silêncio agradável.

Não sabia ao certo explicar sua arte, mas sempre soube que tinha algo a ver comigo. Até mesmo por parte da ferocidade com que a tinta era aplicada a pintura abstrata, me fazia lembrar de seu olhar vulgar em certas noites, a astúcia que me envolvia por completo me levava noite adentro. A própria utopia da obra me lembrava o desejo de sermos eternos um para o outro. Via-me na tela ainda branca equilibrada em seu tripé de madeira, me lembrava quem eu era antes dele. Orgulhava-me, pois eu era sua musa.

AP.

Vai saber...

Porque tudo que me faz rir, chorar, que me faz ficar com raiva, tem a ver com ele, de alguma remota forma está ligado, de certa maneira estamos ligados, não é por um acaso, deve ser o acaso. Fixação. Ilusão. Amor. Dever ser, algum a de ser, o nada ser é que não é. A minha assombração, o fantasma no meu quarto. Não é o tudo, mas também não é o nada. Não é o começo, nem o fim. Um paradoxo. Um meio termo. Sem fim. Totalmente mortal. Imortal. Vai saber. Vai entender a mente veloz que ultrapassará oceanos e chegará ao destino realmente esperado. O coração. Vai saber, se eu não chego amanhã... Ano que vem... Ou na outra vida.

AP.

sábado, 1 de maio de 2010

Marie Antoinette.

Apesar de qualquer coisa era um dia de sol em Viena, apesar de tudo o dia parecia mais brilhante e as pessoas mais mau-humoradas, esperaram um longo tempo até que a noticia de 2 de novembro enchesse o belo dia de esperanças ou planos. Passou-se longos anos em que entre eles promessas foram feitas e sendo assim a Áustria, cumpriram o que não prometeram. Logo parecia outra época e agora, Paris! Continuava a mesma, todo o arco-íris que era, toda a riqueza que ela vivia, toda a água luxuriante que era bebida encheram os olhos de uma criança solitária. Paris era, como nenhum outro lugar nunca foi e nunca será, o berço de tudo que se possa imaginar.

Depois de algum tempo frio finalmente o verão eterno chegou e foram anos de gargalhadas, anos inesquecíveis, o barulho das taças de bebida lhe enchia os ouvidos, as fichas de cores vibrantes lhe chamavam tão suavemente, os desenhos do baralho era em suma tão atraentes, a ópera era digna de aplausos e o cabelo platinado que cobria seus pensamentos e confusões era templo de expressão. E mesmo assim ela nunca para, é como um carrossel, ela pensa que girará para sempre, ela está bêbada e é só uma questão de tempo para que ela vomite no cavalo mais bonito.

E quem poderia duvidar? Quem poderia confiar? Ao som de um rock antiquado com uma taça na mão e uma máscara misteriosa ela fez o destino lhe contar os segredos do amor. Por que falar de amor quando devemos aqui falar da falta de pão? “Que comam bolo então” disse ela despreocupadamente e voltou ao seu dormitório, acompanhada é claro. Mas fatos mudam tudo e o carrossel girou mais algumas vezes, depois disso... Ela sobe por entre flores azul-realeza e amarelo-ouro, meu nome é França, dê-me um cigarro para ignorar, é a rainha assassina que está chegando.

AP.

Beirut.

Se ele fosse ao menos jovem, ele fugiria desta cidade agora, mas ele só bebe morte, somente morte, o copo está quase vazio. Se ele ao menos podesse dançar, mas ele não é mais tão ágil quanto antes, agora só escuta os passos, somente os passos, os ratos no bueiro. Ele queria nadar, queria mergulhar fundo, mas não tem pulmões para mais nada disso, não para nadar, só para fumar. Ele a viu ontem e gostou disso, ele não pode amar, nunca irá amar, pois para ele isso é só uma justificativa para fornicar. Faz um longo tempo, um longo tempo que não briga, ele não tem mais forças, só para se arrastar. Não vai mandar cartões postais, ele não tem dinheiro, não tem nenhum dinheiro, gastou tudo em vento. E se ele cantasse e o mal espantasse? Ele não tem voz, só para papear melancolia. Sua cabeça dói tanto, o que ele fez ontem? Ele não lembra, não lembra de nada, a vodca está no vômito da noite passada. Ele risca o giz na calçada, não quer desenhar, não sabe o que desenhar; talvez sua pobre infância já esquecida, não, ele não pode desenhar. Ainda tem suas pernas, milagre! Ele ao menos pode andar. Se arrastar pelas ruas de Nantes, belas ruas de Nantes.

AP.

Karen.

A única coisa que pode tirá-la desse abismo Karen, que pode fazê-la morrer em vida, pode salva-la em eternidade, pode rir, pode chorar, pode dar ou tomar, Karen, tu que não sabes nada da vida, pois ainda é só uma garotinha, pensa que o mundo é cor de rosa e a vida é uma simples e bonita parte da eternidade, pensa que é tudo justo e nada é uma dificuldade. Você sabe Karen minha luz, tudo pode escurecer quando se ama em abstinência. Karen, leia nas entrelinhas e você verá que a beleza de tudo, a bondade, está numa perfeita inexistência. Se eu morrer, desaparecer, te deixar ou simplesmente parar de escrever; quem dirá a verdade para ti Karen querida? Ninguém se sujeitará a assassinar sonhos de “criança”. Você um dia prestará atenção que não ao seu próprio umbigo e então verás que não existe religião, tudo se resume no que você crê e fim. Cresça minha Karen, e nada mudará, a partir de agora tudo será o mesmo tédio, o café morno, o tanto faz, porque a verdade que tenho lhe dito se resume em ninguém se importa. Não quero que se iluda com a morte, Karen meu anjo, porque assim como ela, só a presença dele não completa tudo, eu sei que não, porque ti ouvi dizer que a saudade lhe transbordava o coração, porque vi nos seus olhos que somente estar ali não adiantava, senti no seu humor que o sorriso era amarelo, quando você me deu a mão era por obrigação á amar outro que não ele, qualquer outro que enfim te desse o poder de encher a boca de hipocrisia e dizer:

AP.