quinta-feira, 31 de março de 2011

Verde-azulado

Tem umas flores no meu jardim, desde que cheguei aqui já tem essas flores, num tão antigo jardim. Eu fui atrás de pessoas mais experientes, mas ninguém nunca quis pegar nessas flores, e olha que num jardim tão lindo, alegre, sem dor, pensei que nenhum mal faria e claro, quis beijar minhas flores, resultado: eu tinha um raio de sol no meu jardim. Então eu comecei a me sentir tão jovem, ainda que já não fosse, como se eu fosse junto dela mais brilhante como naquelas rodas-gigantes, gigantes. E foi um dia tão instigante, o dia em que decidi beijar minhas flores, sempre esperando uma roda-gigante brilhando ao meu redor, com calma e dentes brancos, eu esperava uma roda-gigante. Eu bem sei que todo mundo está querendo saber o final da historia, sendo assim apresso-me a terminar, pois falar de flores me custa muito, me emociona: Dali a pouco, alguns tiveram inveja das minhas flores, como os ateus tem inveja da fé, e foi como se um vendaval tivesse passado despercebido, minhas flores murcharam todas, tão rápido quanto meu piscar de olhos, minhas flores morreram, mas ainda viviam nos meus sonhos, e logo sonhar também não foi permitido, ordenado pela inveja, alguns corriam o risco e ainda sonhavam nas noites de verão. Ao contar essa historia, eu penso certamente nos meus amigos, aqueles sim viveram muito comigo, não só passaram não. Todavia eu acho sobre o povo de sessenta: São enormes tecelões; fizeram grandes cabeças que ainda vivem por aqui; Acham ao beijar essas flores a melhor época de verão da vida: Quando tudo é colorido e as rodas gigantes estão cheias de casais apaixonados jogando conversa fora, a cor do mar então, é demasiado bonito como a cor das flores de até então.

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quarta-feira, 30 de março de 2011

Flor-ave, ave-flor

Eu estava certa de que seus olhos ainda iam apontar em mim. Como sua cabeça se inclinava um pouco, parecia-me que nunca olhava pra nada, embora eu não tenha estacado para imaginar nada que você se depusesse a olhá-la. Só eu; ainda que sem acreditar, pois não havia em mim força maior que me dissesse que eu nascera para viver. O caso é que foi um deslumbre te ver embora não tenha permanecido inerte como dissera a mim mesma, foi mais uma graça sem perceber, um perfume de cor sem cheiro. Você me achou e eu achei você, e não me deparei com afago nos olhos, senti mesmo foi uma espinha na garganta, cortando fino e fundo descia goela a baixo. Ainda a sinto aqui encalhada no meu pescoço, digo isso, pois certos dias que sinto te ver bem raramente, olho-te como se fosse a primeira vez que te visto: Com os meus olhos e minha cabeça. Espera-se que uma flor seja como a ave, coloridas e embaraçosas, se é assim então somos flor e ave, na ordem que quiseres.

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terça-feira, 22 de março de 2011

Eu sempre quis saber por que tudo terminara tão seco, sem vida, lotado de fome e saudade, transbordando outono. Talvez já saiba, talvez nunca saberei. O fato é que me lembro bem a ultima vez que você me olhou, levantou uma sombracelha e disse frio congelando meus cílios, disse aquelas coisas que as pessoas dizem quando se vão para sempre. Minha lagrima inconfessada beijou os cílios e derreteu o gelo que lá havia. Eu não falei nada sobre ir, sempre fui dessas pessoas fracas e miseráveis, da turma dos sem coragem. E recusei-me a olhá-lo, passei a mão pelo pescoço, cocei a cabeça, coloquei a mão no queixo mas não olhei-o, não me deixara, não me deixaria nunca por ser anêmica, tanto. Nós começamos quentes, cheios e movediços e quem sabe tenhamos terminado fracos porque você não soube economizar, bebeu-me toda de uma vez, esgotou-me e você sabe, eu sei, todos sabem que nunca tive fonte, que eu sou só. Eu dizia lenta que o amava, dizia com cuidado para não quebrar-te em pedacinhos de amor vermelhos que me cortariam de dentro pra fora. Você não queria devagar, prestando atenção, queria rápido, naquela mesma hora. Se me amava, amava-me mil vezes seguidas, se me odiava, odiava-me tão doído e incansável. Você não sabia desistir insistindo, não beijava as partes, não gostava das preliminares doces, tão doces. Você era tudo e mais um pouco, eu era aquela parte tua, aquele segundo misterioso. Eu me desculpava sem nada ter feito. Mas que raio de pessoa obscena eu era? Levei a culpa por tantas injurias de fora pra dentro, fazia com que não vistes quem era culpado, era você meu bem, eu lhe encobertava com um extinto materno e atropelava-me, eu me matava sempre ao fazer isso. Você rastejou de cede e disse; eu sei que você é só, de fora pra dentro e de dentro pra fora.

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sábado, 19 de março de 2011

Uma vida suada

Talvez as aventuras de Matilda tenham sido tão imperdoáveis, ela balançava, corria, ria e brincava, até rimava às vezes a vida dela, de tão linda que era, o viver. Ela olhava pra mim e piscava os olhinhos redondos rindo tanto e sempre que até me contagiava as vezes, bem as vezes posso garantir, pois Matilda dormia ao meu lado na cama todo santo dia, e só dormia mesmo, porque sexo que é comercio bom não tinha. O leitor sabe quando tem algo errado na concordância da leitura, minha vida era o meu livro e o leitor era eu, deveria ser o escritor quem sabe, mas não, quem traçava cada passo meu era a maldita da Matilda. Pois sim! Provei com meus olhos quando li num capitulo, ela me traindo. De boca aberta ia de encontro à outra boca suja que passaria horas depois todos os germes para minha pobre boca inocente, pois eram dos pensamentos que saiam todo aquele palavreado asqueroso. Eu era um homem, embora me sentisse ao lado de Matilda um pato, ela era formosa, vistosa, eu era tão neutro, do tipo transparente, mas não daquele jeito que todo mundo sabe o que se passa dentro de você, bem mais no sentido de ninguém me ver. Eu tive Matilda algumas vezes na minha vida. Uma vez não acabou, outra vez ela parou e outra ainda me lembro bem eu consegui e ela bocejou. O que a fazia continuar a deitar-se ao meu lado eu não sei, ela disse uma vez que se sentia protegida, eu duvidei como pouco duvidara até aquele dia. Mais a vida continua, mais gente sua, era bem assim, uma vida suada. O sol parecia queimar minha cabeça até pela meia noite, sei agora que não passava dos olhos de Matilda olhando de cima para baixo, onipotente sobre mim. Ela um dia gritou; olhe para cima, estou falando com você; e foi como se me fizesse perceber porque a desgraçada continuava ali, gente que gosta de mandar é assim mesmo, a qualquer custa quer decretar sem saber de hierarquizar. Eu vendi minha alma ao diabo e é sem devolução.

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quinta-feira, 3 de março de 2011

O céu dos arrojados

‘Eu só sei dessa época da Dona Cátia porque ouvi dizer. Ah, a rua toda estava sabendo, só quem não sabia era a família dela, o marido corpo lento que trabalhava o dia todo e o filho franzino de cabelo espichado que tinha um cheiro estranho. A vizinha dele, Olga que o diga, quando entrava no elevador todo mundo ficava com cara de interrogação. Bem, depois que Dona Cátia se mudou de lá, esse foi o comentário, se já não o era... ’

Jorge estava no quarto. Como qualquer adolescente de porta fechada, fumava um baseado na janela, ainda que os vizinhos o descriminassem e a luta fosse sempre pelo respeito, bom, ele não ligada. Dona Cátia se olhava no espelho furtivamente, essa sim havia de ter o que esconder, levava uma vida tão pacata que só quem tem um grande segredo consegue levar. E era uma pessoa daquelas simples de confiar, onde todo mundo põe a mão sabendo das chamas. Ela correu em passos curtinhos no seu salto dez, em punho marretou a porta de Jorge e disse que ia ao mercado. Eram quatro e meia da tarde, o sol a pino e um grande anoitecer por vir. Jorge em seu quarto procurava o cachimbo. Dona Cátia em sua sala olhava para trás. Os dois se esgueiravam na fantasia de ser livre dentro de uma piscina funda e camuflada, a televisão mostrava os finais felizes, os desenhos as risadas mais alegres, os jornais nos explicavam diariamente que um dia morreremos de desastre ou coração partido, um espelho dizia a verdade e o baseado agia sobre a mente, ia mais a além. O que Jorge e Cátia tinham mesmo em comum não eram seus segredos, era mais a maneira como escondiam, dentro de casa ninguém imaginava ou dava conta de supetão, mas na rua todo mundo comentava.
Cátia, como era chamada pelo professor, andava espevitada ao seu lado sempre olhando para os lados, ora, não porque estava se escondendo, mas sim porque estava se exibindo, era uma vontade tão enorme de lhe falar sobre o que passava em casa que de minutos em minutos para não sair dos trilhos dava gritinhos apreensivos dentro de sua saia rodada. E eles rodavam, tanto que a deixava zonza, o que nesse estado ser levada pelos grandes e firmes braços do professor não era nada mal, Cátia roçava vez em quando a mão sobre seu pescoço raramente suado. Era casada, mais pela força da razão que do coração e usava aliança. Dona Cátia ou Cátia, que seja, só queria sair de seu apartamento abafado e ter alguns minutinhos de fascínio no seu oásis bege e suado. Jorge não sentia o contrario; como um rei, tinha o seu leão ao lado e sua erva na gaveta. Cada um toma o céu que quer para si, eu particularmente prefiro aquele pedacinho azul que vende na praia.

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Pedras venenosas

A verdade é que a gente demora um pouco pra perceber, a verdade é que exatamente a gente tem certa dificuldade em ir pelo caminho chutando as pedras, tem sempre que parar, chegar perto da pedra, cheira-la, lambe-la e olha-la. O caso é que eu andei por aquele corredor na esperança de estar deixando só mais uma pedra do caminho. E olha que eu quis tanto ser teu alento garantido em dia de chuva, ora, eu me dediquei mesmo sabe, quero que você perceba que eu fazia tudo por você enquanto tinha vontade, depois foi tudo questão de honra, pois aquele que se dedica, dedica-se até as ultimas gotas. E eu sangrei por você até a ultima gota. É que tu não foste o meu alento, eu necessitava de alguém naqueles dias incertos, sem nenhum livro pra ler, sem dinheiro pra ir ao sebo, enchia-me de água porque queria afogar o que houvesse dentro de mim, tentava me afogar em água porque não poderia em você. Eu dizia boa noite a mim mesma e não escovava mais os dentes: Estava em estado de putrefação. É que algumas pedras são tão grandes que caem nos esmagando, obrigando-nos a seguir num novo caminho.

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Ainda que eu seja

Ainda que me chames de tola e digas para si mesmo que comigo não vai ficar eu esperarei quietinha ao lado do telefone, um dia você há de lembrar as teclas que são para apertar em sua veemência desatinada e vais falar comigo, sei que vai, vais pedir desculpas, pedir para que eu te deixe voltar, pedir um abraço, sei que vais, vais pedir paz a mim que sem resposta desligarei bem na tua cara, sem escrúpulos e sem razão, pois foi você mesmo que me chamou de tola outro dia. Porque só irás ligar e convocar minha presença se antes me ofender e agourar cada minuto do meu dia, sempre foi da tua natureza dar valor ao que vem do ferimento, da dor, não que sejas sádico ou impetuoso, mas sim porque talvez gostes de cuidar de algo pisado, amarrotado, feito o meu coração depois de tuas injurias. Desligo, pois tu tens que cuidar do teu coração demasiadamente mais pisado que o meu, tu que tropeças nos teus próprios sentimentos e os machuca sem pedir paz.

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Eles

Ainda que eu soubesse de onde vinham eu não saberia como me opor a eles. Havia neles uma piedade ansiada sobretudo por mim, mas acima dessa clemência havia também, junto à cruz algo glorioso, de tamanho sem tamanho, pois então, não era algo que se podia simplesmente dar-se um resultado, não era uma solução, eles tinham seu próprio estado de vivência, o que lhes dava somente esse estado como qualquer adjetivo ou substantivo atribuído a qualquer coisa ao nosso redor, mas não eram limitados e nem tão pouco redondos, não havia neles rotação ou translação, não giravam em torno de si ou de coisa mais brilhante, iam rumo ao universo, visitando e sendo o infinito. Eles eram lindos como as ondas e grandes como o mar, eles que nem sabiam de onde surgiram e falavam tanto que nem precisavam de voz, só era preciso eles ali junto a mim e tudo estava assentado, eles eram completamente certos e não me deixavam sombra de duvidas sobre seus assuntos porque eram especialistas no que faziam e faziam tanta coisa, principalmente voavam, o que me deixava bestificada, de boca aberta eu via-os alçando vôo, eu que nem sequer tentara voar mas que numa tentativa não feita cai de asas do chão, eles me disseram que ainda me restavam as asas ilesas e que voar só poderia ser feito com sigo mesmos.
Eles ainda são tudo isso, são os teus olhos.

ap.