terça-feira, 26 de abril de 2011

Não sei não conheço isso nasceu ai

Nasce lá longe a nossa estrela amarela, saindo de uma noite obscura e fria, o dia carrega uma vela pela metade, em desígnio há uma temporada cheia de enormes bolsas nos olhos e vontade de dormir. Mas para onde vão as estrelas quando estas morrem? Não deve existir certo antro que as deixem entrar. Elas desaparecem do mapa; e para onde vão as místicas estrelas depois de sua morte e dissipação? Numa caixa de leite elas não estão. Adelha observava as estrelas corriqueiramente no seu telescópio de segunda mão, tão arranhado que parecia estar no fim da vida, pois já tivera uma existência longa de estrela. Ela não sabia nem como nem porque todas aquelas estranhas e engenhosas estrelas estavam ali no céu flutuando pesadamente, como quem não faz aquilo com naturalidade, faz por ter nascido de um jeito bonito e seu destino é ser pulcro até a chegada de sua morte furtiva; como se para flutuar fosse preciso nascer daquele jeito, certo sangue azul nas entranhas. Elas precisavam flutuar para viver, como a formosura precisa ser demasiado olhada para durar. Não lembro ao certo em que noite ou ano aconteceu. Num dado momento de terror uma estrela visitou o quarto de Adelha, flutuava ainda, mas era tão pesada e assimétrica que não chegava a ter seu merecido nome. Encostou-se numa poltrona surrada e antes limpou seu acento para não ofuscar seu brilho fosco. Pediu uma cerveja apenas, porque queria esquecer algumas coisas bem como quando queremos esquecer um pesadelo ou o trabalho, Adelha e a estrela foram para o quintal e lá perceberam as outras estrelas flutuantes e birrentas, brilhando para si e somente si, sem rumo de uma vida futura. Foi então quando a estrela ao lado de Adelha chorou, alagava o quintal de brilhantes rosas amarelas e gritava baixinho seu pesar sobre ser uma tão brilhante e triste estrela, sobre seu fulgor não fazer o menor sentido para si, sobre querer ser Adelha e em seguida ela excomungaria todas as estrelas somente por serem estrelas através do seu telescópio de segunda mão caindo aos pedaços, e seria feliz, mesmo sem brilho, mesmo sem um tão perceptível peso sentimental, ainda que tivesse em suas entranhas um gosto azul enferrujado, a estrela ao lado de Adelha seria a estrela mais feliz do mundo porque ela sabia que lá no fundo todos nós sabemos para onde vamos depois da morte.

ap.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Desenvoltura

Podemos jogar coisas no telhado, e como podemos. Aquilo de que participamos principalmente. Ouve um tempo em que amar já não era cabível no vocabulário e eu joguei um montão de coisas fora, era mais para me livrar daquela tralha toda que para lembrar que tinha um telhado, é que o telhado me doía tanto: daquele jeito do como nos cortamos fácil sem perceber, o sangue alarmante fica perambulando por um tempo na epiderme e finalmente: dá seu grito de morte: o meu olhar: O que reconhece o erro, o que pede perdão é outra historia completamente diferente, pois se tem que amar para se ajoelhar e suplicar. Eu que não rolo no chão e dou a patinha para algum contraponto, posso até dar uma olhada e tudo o mais, de modo à vez ou outra me deixar levar na maré até como quando o suposto amante de Capitu morreu, pois é deveras hipotético. Eu gosto de pensar nas coisas como se eu as fosse. Talvez se pensar nisso a todo o tempo, eu tente me tornar até em coisas más, salgadas, impenetráveis, as paixões sem os terríveis e inexoráveis fundamentos, o nexo. Eu não queria na maioria das vezes ser quem eu era, apostar as fichas mais valiosas num ser sem apelido nem cidadania ou pensamento político, preferia mais que mil e uma vezes pensar como os sábios, que de tanta destreza acabaram sendo somente e nada mais que sábios; o louco já não tinha espaço no que eu em superioridade me imaginava ser. Em quanto tempo eu iria me tornar dentro do meu destino? Passaria tempo até eu descobrir ainda naquela época que nunca, nada, me transformou, encaixou-se, tudo bem, moldou-se... E de forma alguma sem duvidas não me modificou. Porque ao passar pela chuva me protegi com as mãos. Porque quando eu precisei antes eu ofereci com a mão cheia, ainda que fosse de unicamente apreço. Porque quando me mostraram um inseto asqueroso e eu o matei e depois pensei em como uma parte de mim já foi barata, foi ai que eu entendi: “Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito”.

ap.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Romance

Eu adorava o jeito como ele olhava pra mim quando eu achava que era dona do mundo. Eu sei que estava certa quando disse em minha defesa que você sempre me entenderia muito mal, sempre tão mal: Mas os ventos foram passando e com ele deixando em nossos olhos ciscos cavernosos: Um ia tentar atear o olho do outro e vice-versa, mas não conseguiriam pela falta de equilíbrio que os ciscos nos deixam. Cada um ia viver ao lado do outro pensando, arquitetando, imaginando, colorindo um plano para tirar o seu próprio cisco rabugento. E a cada dia que passaria iriam se afeiçoando e deixando estar. É eu sei que seria assim porque foi assim. Verdade seja dita, depois de um tempo nós mais parecíamos ser casal por conveniência: Um tango sem sal. Eu sabia que eu ia ter de ficar calada se quisesse sobreviver...

ap.