quinta-feira, 29 de julho de 2010

Chile

Vinha andando pela casa a noite nos últimos dias. Pisava no chão gelado de pés descalços mesmo sabendo que acordaria pela manhã meio doente. Em pé na varanda, sentada na cozinha, tomava um copo de água bem gelada para refrescar os pensamentos, sempre com os pés no chão para refrescar a postura. Passava horas completamente desocupada. Ignorava a televisão e o computador. Fitava o pinguin na geladeira e lia de trás pra frente "elihC" escrito nele. Não comia nada e nem se quer balançava as pernas. Voltava à cama devagar e silenciosa, deitava-se ao lado dele e apoiava uma das mãos em suas costas. Às vezes acordava pela manhã meio resfriada.
Esse texto fala sobre levar o café da manhã na cama para alguém que mesmo provocando os seus próprios resfriados ainda o ama.

ap.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A pintura do universo era natureza-morta

Evitaram a agitação da festa e se refugiaram no quarto dela. Havia um tempo que o beijo já não era suficiente, os abraços apertados não supriam a necessidade da mente que procurava por algo ao passar das mãos nas mãos. As epifanias do universo já não os satisfaziam mais, eles precisavam agora de suas próprias certezas, nem que de súbito fosse. Era importante, a confiança, aquela, em si mesmos ou um no outro, tanto fazia, pois depois da fé viravam um só. Porque essas partes do quebra-cabeça deles precisavam ser encontradas onde quer que fosse, ao contrario das peças do universo, as peças deles formavam uma pintura abstrata. E ocorreu a epifiania. Ele deslizou os dedos longos no caminho a primeira peça do quebra-cabeça. Ela o olhava com os olhos de ressaca de Capitu enquanto ele se afogava na tinta a óleo dos olhos dela, das peças do quebra cabeça, do quadro pendurado, das mãos suadas, era tanta coisa, tanta coisa era. E eles estavam distraídos com a tinta, o cheiro de tinta sempre distrai as pessoas em plena epifania.

ap.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A versão sem cortes

A câmera focaliza o rosto de Martha e logo em seguida da ênfase ao seu novo sorriso, Martha ainda não se acostumara com ele e coloca vez ou outra a mão na boca esquecendo-se de que agora ele é um trunfo. Ela mexe no cabelo e brinca com a câmera que insiste em filmá-la, estende as mãos e faz sinais negativos para o misterioso cineasta amador do aniversário, neste vídeo Martha completa 14 anos. Agora as velas estão acessas e as luzes apagadas, o que deixa o rosto de Martha em evidência e logo a câmera se vê em plena sorte, filmando-a no escuro a luz de velas, seu rosto amarelo e radiante. Ela olha para baixo meio sem graça, ri como se alguém estivesse a contar uma piada, mas não, ao que parece para Martha o barulho é apenas barulho como se escutado pelo rádio na cozinha ao meio dia. E ela está sozinha, atuando para uma platéia invisível sendo transmitido mundialmente através do vídeo seu drama casual. O barulho grita em sintonia uma melodia de letra familiar e cruel, Martha nunca foi boa nisso, sempre se perdia bem no meio e terminava mexendo a boca sem que saísse nenhum som, mas hoje cantavam puramente para ela de modo a não precisar ter medo do constrangimento ao esquecer a letra. Os versos sem rima chegam ao fim e a câmera sente uma calmaria ou alivio no rosto de Martha. As pessoas ainda gritam, mas nada em comum, gritam o desespero pela diversão que nem sempre é facilmente identificado. Alguém fala no ouvido de Martha e ela concentra-se em escutar, faz que sim com a cabeça e de volta estamos em frente a uma Martha agitada, rindo a toa, em seguida vê-se que ela lambe os lábios ritmicamente, de olhar para o nada, fecha os olhos pintados de azul, abaixa-se perto das velas, diz algo em voz baixa e da um sopro que em seguida deixa a sala em plena escuridão e só se ouve a algazarra dispersa dos dispersos ao silêncio do cineasta. Alguém ao fundo acende a luz, Martha olha para a câmera, da um sorriso e tudo fica negro, o vídeo acabou.

André pausa bem na parte dos olhos pintados e aperta play. Volta. Pausa outra vez na mesma cena e aperta play. Mas que desejo foi esse o da Martha? Seria algo em outra língua? As aulas de latim estavam indo bem, ela disse. André nunca saberá que naquele dia Martha agradecera pelo ano passado, o dia em que André lhe deu um CD com músicas gravadas para a viajem longa até a praia. Acontece que era pra fazer um pedido. Acontece que Martha só tinha a agradecer.

ap.

domingo, 25 de julho de 2010

Caio F. Abreu

O dia que Júpiter encontrou Saturno

-Mas não seria natural.
-Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
-Natural é encontrar. Natural é perder.
-Linhas paralelas se encontram no infinito.
-O infinito não acaba. O infinito é nunca.
-Ou sempre.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O olho de quem vê faz os olhos que vê

Quando bate um sol neles, ficam tão claros de modo a parecerem doces. Meu bem, estranho é querê-los sentir derreter em minha boca como bala de mel.

No escuro eles brilham como pedra fosca de capricórnio, foi por essas pedras que procurei. Meu bem, estranho eu querê-los pendurados no meu pescoço como amuleto que me traga sorte.

Logo à tarde eles me sentem num misturado de ditos e pré-ditos, não-ditos. Eles caem na perdição do pôr-do-sol, cor de luxuria embora seja bom no sentido dos ditos pelos seus, pelos meus.

O olho de quem vê faz os olhos que vê.

ap.

Abre a janela e vê se o vento chegou

Clara mexe um dedo indicador, range os dentes e abre um olho de cada vez. Clara acordou. Para mais um dia inexoravelmente fácil. Fátima vasculha sua gaveta a procura dos comprimidos rosa, atira cartas fechadas contra a parede. As cartas não eram os comprimidos. Fátima senta no chão e começa a se preparar para mais um dia inexoravelmente difícil. Fonseca molha sua planta de nome até então desconhecido. Ele a chama de Vita. Desde que ela se fora, a verdadeira Vita, Vita outra recebe carinhos insanos, porém inexoravelmente fáceis. Flora bate sem parar os pés na cama branca do quarto branco. Dona branca entra no quarto, uma velhinha de cabelos brancos. Flora sente a visão se desfazendo, seus pés descansam desajeitados. Como queria sair dali e sentir a inexorável facilidade de fumar. Ambrósio deita-se e espera. Espera a roda parar de girar. Espera a morte chegar e acabar com esses inexoráveis encontros e desencontros da vida. Porque para Ambrósio, no fim isso é tudo, Encontros e desencontros. Uma semana atrás Pedro entra no correio e envia silenciosamente um pacotinho com três comprimidos rosa. Dois dias depois, João encontra no lixo os comprimidos preciosos, rosa e pensa. Sua mãe está doente de algo que os vizinhos não sabem explicar. João sobe o morro. A mãe de João até que deu uma melhorada.

Para as coisas da vida as inexoráveis levezas do ser, dou-te os implacáveis amores de fato e o cimento cinza da calçada que tudo vê.

ap.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Liebe

Eu nunca tive um amor tão bonito que fosse sentido para além das grandes e pequenas coisas. Suponho que esse amor sente amor e que tudo seja doce, e tudo é. Suponho que ele tem uma grande canção em ritmos diferentes e combinados. Se quer falar assim então que fale, que não me chame por cima de muros e nem por tras das portas, que seja doce em todos os sentidos. Que seja doce até num sexto sentido, mas que seja doce.
Ele estende para mim entre seus dedos amarelos e queimados um cigarro. Eu o acomodo entre meus dedos virgens. Meu alemão não é tão bom, mas... ich liebe es.

ap.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Salvadora

Uma mão lava a outra. Foi com essa frase que passei a maior parte da minha vida sendo educada. Então como poderia eu agora negar lavar as mãos de outro? Não meu querido amigo, além de passar água sobre elas, eu esfrego com sabão e depois ainda as enxugo com uma toalha limpa. Isso às vezes, ao longo dessa vida curta, rápida, porém intensamente até aqui bem aproveitada, vem me sujando, somente às vezes, mas essa sujeirinha pequena em cada lavada fica e passa a se transformar em coisa maior, mas significativa e aparente aos olhos nus. Porque logo agora todo mundo resolveu ultimamente andar de olho nu.

ap.

Vera e as escadas

Furiosa, passou os dedos no corrimão das escadas e foi descendo em direção a saída.
...Que escada enorme que não acaba mais. Espero que ele não esteja a me observar, não olharei para trás, desculpe, não olharei. Seria uma entrega das grandes. Seria colocar um “mas” a tudo que disse há pouco. Um “mas” só serve para nos desmentir. Eu gosto de você, mas. Eu quero, mas. Eu estou aqui, mas. Eu sei, mas. Mas. Mas. Mas. Mas. Deveria ser uma palavra proibida...
Olhou para trás e subiu de volta as escadas correndo, cuidado para não tropeçar, mas.

ap.

domingo, 18 de julho de 2010

Suportarei até que seja o pior pela mais bela visão

Ele as chamava de Ninfas. Acredita? Ninfas. Aquelas prostitutas da Rua Dezenove eram chamadas de Ninfas pelo Plínio. E bem quando dava meia noite depois de alguns cigarros e pileques, ele balbuciava no bar, "Irei-ver-minhas-Ninfas-queridas!". Eu não me conformava com esse apelido para as meretrizes, Ninfas são seres puros e inebriantes, seres bonitos, coloridos e brilhantes. Aquelas mulheres eram sujeiras do capeta. Eu queria compreender o Plínio, mas não cabia em mim tal inclusão, em minha cabeça sóbria e sã, mulheres de saias curtas e justas e topes a base de lantejoulas, por mais brilhantes que o fossem... Prateados os sapatos de acrílico, dourada a maquiagem nos olhos, por mais que assim o fosse... As ninfas eram mais Ninfas que as Ninfas do Plínio. E eu tentei de tudo, as minhas filosofias sobre entender os pensamentos dos outros estavam já quase por acabar, estava já por desistir de perceber a definição de Ninfas segundo Plínio e deixar pra trás toda essa baboseira sobre “compreender”, sobre ver sentido nas coisas, porque isso no fim é uma bobagem mesmo, é só que eu não tinha mesmo mais nada em que se ocupar, estava desempregado, não bebia nem fumava, me sentia uma aberração de meia idade no bar, sem emprego assim como todos ali, de coração partido como alguns e sem filhos como nenhum, sóbrio e inteligente redescobrindo a mitologia. Recorri então a minha última chance de acerto. Ver pelos olhos do Plínio. Os copos se enchiam rápido assim como eram facilmente esvaziados, nunca havia tragado um cigarro, nem muito menos um amassado, mas dessa vez havia fumaça nos meus olhos e na minha roupa e o cheiro era sufocante, minha garganta lembrava as doenças mais irritantes e eu tossia. De repente minha visão sobre Plínio mudara, perguntei se já haviam o confundido com Leminski, ele riu, revirou os olhos mortos e fez que não com a cabeça. Ver pelos olhos do Plínio era deveras mais divertido. Quem precisa de um emprego, de um coração ou de filhos quando se tem aquela visão sobre o mundo? Meu melhor amigo era Leminski e eu podia ter quantas Ninfas quisesse da Rua Dezenove, aquelas sim eram as Ninfas que deveriam estar nos livros, Ninfas egocêntricas e habilidosas.

ap.

No que leva quando se leva

Nascer
Vi(escre)ver
Morrer.

sábado, 17 de julho de 2010

O sangrar sem limites

Não resta nada a dizer, Não resta nada a fazer, quando você tocar de leve o rosto e perceber as rugas.
Você olha pra rua e tenta enxergar, você esqueceu os óculos do lado da cama, do lado do copo com água, do lado dos comprimidos, do lado da foto antiga, do lado do abajur sem luz. Eu te pergunto, você sangrou? Pingou sangue por todo o lugar, você sujou com sangue até quem não deveria sujar? Sangrar não é maligno, é o indispensável da vida. Sangrar não quer dizer que você morre, e sim que vive.
Você pisou nos cacos de vidro? Porque quando se quebra um copo, é bom pisar nos cacos... E então sangrar.

ap.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Assim como

E sempre que um dos dois ia embora a despedida era calorosa e quase inevitavelmente cheia de profundo romance invisível, quase inevitavelmente, pois se queria bem mais que profundo romance, o profundo parecia raso como uma poça d'água que se pula. Queria-se bem mais porque se cabia bem mais que profundezas e romances. A despedida era dita e sentida. Dizia-se sempre o limite das palavras, pois elas possuem até certo ponto um limite onde depois dali não podemos falar. Não era dito apenas por não poder ser dito, em compensação se sentia apenas por poder ser sentido.
E sempre que um ou outro ia embora se buscava as palavras para mais além do limite das mesmas que resultava em despedida cheia de inclinação. Tudo calha o além perante um limite.

ap.

Elaland

Traços graves e inconfundíveis os dela. Traços que falavam, escritos por traços, uma boca que falava nos dias de chuva, nos dias sem chuva. Traços cheios de nostalgia. Traços pontudos, grandes, comoventes. Traços numa pintura a óleo na sala onde deveríamos todos estar.

ap.

Quando é nunca

Quando a consciência causa, as arvores caem feito folhas. Cai dentro de um esgoto um anel dourado. Vive como corvo um martelo encolerizado. Morre como borboleta depois de um desprovido dia, alguma coisa, morre alguma coisa quando a consciência causa e ela nunca causa, existe sempre algo mais interessante a fazer, existe sempre um modo melhor para se consagrar um dia de borboleta.

ap.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

...

Entre as estrelas os vaga-lumes vão brilhar. Os anjos vão assistir com um sorriso de orelha a orelha, apenas porque é assim que tem de acontecer, é dessa forma, é agora, apenas porque tem de acontecer. E não se preocupe, nós fomos feitos um para o outro então não ah como algo dar errado. As estrelas vão tocar uma musica diferente, feita apenas pra isso. Em volta estarão os anjos felizes, as lagrimas de sua felicidade mergulharão no nosso corpo à medida que eu fico pedindo pra você me ajudar. Ajude-me a te amar, cada dia mais, até as lagrimas acabarem e eu sei, elas não acabam. Elas são eternas lagrimas salgadas de alegria e de suor. Porque até agora tudo que me fez suar valeu a pena.

ap.

Continue me lembrando sempre o quanto eu te amo. Porque assim como as águas de um rio se movem, eu me movo com você. A rua está vazia e estamos nela. Porque num vácuo podemos encontrar até uma sala de estar. Quando eu fecho os olhos e me vejo de verdade, tenho unhas molestadas e um cabelo enfurecido. E quando você fecha os olhos, como você me vê? Porque a verdade brilha no escuro como as estrelas do seu quarto. A verdade brilha e os parafusos furam, mas eles seguram também. De arte é que eu gosto de chamar, tudo num circulo só sempre mudando suas percepções sem deixar de ser o mesmo, a arte abrindo a cabeça que alguns podem chamar estupidamente de coração. Tudo está na cabeça. Não se aflija, ela pode ser maior que o mundo e o infinito, ela pode ser do tamanho que você imaginar e adivinhações não passam de jogos de azar.

ap.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Quando você não consegue

Eles querem que você se torne louca, mas não entre em pânico, isso não vai acontecer com você, não vai. Eles espetam isso em você e não entre em desespero, pense na tranquilidade, transporte sua mente para a paz conveniente, a paz longe de uma loucura posta em você. Mentalize o claro e bom. Imagine-se no céu, patinando entre as nuvens. Ou você pode ter asas e voar por ai junto com os pombos, você pode pisar na água e ela vai parecer gelatina de uva, você pode mergulhar fundo no mar sem se preocupar com oxigênio nos pulmões, você pode qualquer coisa, andar de balão, ouvir o silêncio, fugir do mundo, atravessar o cosmos. Mas sua mente esta canalizada demais com muitos pares de mãos em cima de você e então você fica louca.

ap.

domingo, 11 de julho de 2010

Juntos

Passam os carros, as luzes alegres, os postes inquietos, passam as pessoas divertidas e as bebidas coloridas e não coloridas. E eu estou aqui com você, bem aqui. As portas se abrem, as portas se fecham, elas fazem barulho. E eu estou aqui com você, exatamente aqui. A musica começa, a musica acaba, torna a tocar, partes não escuto, partes são familiares, desliga, liga. E eu estou aqui com você, justamente aqui. A lua vai, ela volta, desaparece e reaparece num salto, em segundos, milésimos. E eu estou aqui com você, precisamente aqui. Sorrisos. Eu estou aqui. Sorrisos. Estou aqui. Sorrisos. Aqui.

ap.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Como se(m)

Quando me encontro sozinha na banca de revistas, compro somente as de culinária. Como se houvesse para quem cozinhar. Entretida entre tortas de frango e bolos de damasco, espero o troco com um sorriso no rosto. Como se houvesse para quem sorrir. Saio de lá e quando me encontro sozinha na cafeteira abro minhas revistas de culinária. Como se não houvesse mais nada em que se ocupar. Leio-as atentamente. Como se o café não fosse o meu objetivo e eu podesse deixa-lo esfriar. Saio de lá e quando me encontro sozinha em casa, sento-me e choro. Como se houvesse por quem esperar.

ap.

domingo, 4 de julho de 2010

E assim fez-se uma bola

Deus e Lúcifer estavam sentados em marte, entediados como todos aqueles dias sem nomes que passavam naquele universo sem graça, até então. Deus suspira e Lúcifer bufa. A vida não seria tão engraçada se não fosse por aquele dia. Nesse dia Deus havia mandado seus anjos para um dia de folga, embora naquela época os dias de folgas fossem feitos com freqüência, muita freqüência. Aqueles anjos precisavam mesmo de um ofício. E Lúcifer, bem, Lúcifer era sempre sozinho e ali ele era monótono e não tinha nada a oferecer pra ninguém, assim era pensado. Principalmente depois que foi expulso do céu, as folgas não mais valiam para ele. Então sobraram somente os dois ali em marte, terra quente, um calor de lascar. Lúcifer chutava cascalhos enquanto resmungava. Deus continuava quieto sentado em seu lugar meditando. Que meditando que nada, ele queria mesmo era algo em que se ocupar, assim meio que pela eternidade.
- E é nisso que eu estou pensando toda essa tarde, querido Deus. Um mundo primoroso e divertido.

ap.

sábado, 3 de julho de 2010

Os chicletes de tutti-frutti, são os piores

Marietta mastigava seu chiclete de tutti-frutti violentamente, sua mandíbula estalava com os movimentos ansiosos de uma pré-adolescente. Até parecia estar ocupada com algo, mas não, o dia se desenrolava num tédio só. Ela balançava a perna pendurada na arquibancada da quadra de basquete, parecia uma prostituta. Cuspiu o chiclete e arrumou a postura rapidamente como se alguém estivesse a observá-la e repreende-la, mas ela estava sozinha na quadra, não, talvez Deus estivesse a observar seu mau jeito, falta de postura e de educação em todo lugar, merda, até no banheiro ele poderia estar, merda, também escutando tudo até o mínimo palavrão que ela proferisse. Merda. O sol queimava suas bochechas sardentas e sua nuca dura.

Chegando em casa abaixou-se em frente a porta do vizinho e espiou por debaixo dela, sua curiosidade era tanta que chegava a ser bem repugnante, criança chata e intrometida, era o que diziam. Como não viu nada, se levantou. Estava com vontade de outro chiclete. Entrou em casa, atirou os tênis em qualquer lugar, andou arrastando as meias no chão, atravessou o corredor, entrou no banheiro e fechou a porta. Se ajoelhou e rezou.

ap.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Menos que uma melancia e mais que uma uva

Vá até lá e me roube uma fruta. Não uma maçã, odeio maçãs, você já deveria saber disso. Uma uva? Não, uvas são pequenas, seria fácil demais. E se fossem várias uvas?! Veja bem, traga-me algo como uma goiaba ou uma laranja. Uma melancia também não, melancias ficam para relacionamentos mais sérios. Para nós tem de ser uma laranja ou uma goiaba, não uma maçã, repito, odeio-maçãs. Agora você sabe. O que fazer com a fruta? Iremos comê-la oras. Apesar de que o ponto central disso tudo não é a goiaba nem a laranja. Deixe a maçã fora disso. O real sentido está no ato de roubar, ou que seja, no ato de fazer qualquer coisa fora do sentido, do ciclo natural das coisas. E por que não comprá-la? Não seja tão bobo, pense. Uma fruta comprada não teria o mesmo gosto de uma roubada, é simples assim. Se você pode escolher a fruta? Claro, eu só estava dando dicas, como: Sem maçãs, uvas ou melancias. São as minhas únicas exceções, na verdade, com ênfase nas maçãs, uma uva ou uma melancia são apenas opções erradas. Embora creio eu, que com alguns argumentos eu poderia até degustar uma maçã. Estou facilitando tudo pra você, agora vá até lá e me rouba duas frutas, ou uma, eu divido com você.

ap.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Reticências antes e depois

[...]Nós fomos crescendo aos poucos porque sempre foi de nossa natureza ser assim, crescentes. Não porque havia em nós algo que nos empurrasse para mais perto, havia somente algo dentro de cada um separadamente que nos levava em algum lugar, alguma direção. Foi de completa sorte que a direção seja essa aqui, a que estamos indo, uma direção crescente. E nós só estamos crescendo assim porque estamos nos permitindo, essa é a parte em que as coisas acontecem. Pela permissão que concedemos um ao outro, isso sim posso dizer vir de nós, não separados e sim juntos, o nós. Porque só sendo um para se permitir. E a coisa toda está fluindo de um modo descontrolado dentro de mim, que por sua vez passa a ser em mim e não em nós, talvez em nós, mas tenho a certeza do em mim. Porque sempre foi tão fácil se descontrolar e jogar qualquer coisa pro alto que agora não, agora mesmo descontrolado eu não ouso levantar qualquer um dos braços, lançar seja qual for uma coisa que pede pra bater no teto só pra depois cair com mais força na minha cabeça, eu vou empurrando e descartando essas tais coisas e fico só com o descontrole que é também admitido como intensidade. E as coisas estão crescendo tanto em mim de um jeito que talvez ninguém suporte, nós precisamos ter um ritmo certo, igual, crescente assim como o meu passo que é descontrolado, descompassado, temperamental, intenso.[...]

ap.