segunda-feira, 26 de julho de 2010

A versão sem cortes

A câmera focaliza o rosto de Martha e logo em seguida da ênfase ao seu novo sorriso, Martha ainda não se acostumara com ele e coloca vez ou outra a mão na boca esquecendo-se de que agora ele é um trunfo. Ela mexe no cabelo e brinca com a câmera que insiste em filmá-la, estende as mãos e faz sinais negativos para o misterioso cineasta amador do aniversário, neste vídeo Martha completa 14 anos. Agora as velas estão acessas e as luzes apagadas, o que deixa o rosto de Martha em evidência e logo a câmera se vê em plena sorte, filmando-a no escuro a luz de velas, seu rosto amarelo e radiante. Ela olha para baixo meio sem graça, ri como se alguém estivesse a contar uma piada, mas não, ao que parece para Martha o barulho é apenas barulho como se escutado pelo rádio na cozinha ao meio dia. E ela está sozinha, atuando para uma platéia invisível sendo transmitido mundialmente através do vídeo seu drama casual. O barulho grita em sintonia uma melodia de letra familiar e cruel, Martha nunca foi boa nisso, sempre se perdia bem no meio e terminava mexendo a boca sem que saísse nenhum som, mas hoje cantavam puramente para ela de modo a não precisar ter medo do constrangimento ao esquecer a letra. Os versos sem rima chegam ao fim e a câmera sente uma calmaria ou alivio no rosto de Martha. As pessoas ainda gritam, mas nada em comum, gritam o desespero pela diversão que nem sempre é facilmente identificado. Alguém fala no ouvido de Martha e ela concentra-se em escutar, faz que sim com a cabeça e de volta estamos em frente a uma Martha agitada, rindo a toa, em seguida vê-se que ela lambe os lábios ritmicamente, de olhar para o nada, fecha os olhos pintados de azul, abaixa-se perto das velas, diz algo em voz baixa e da um sopro que em seguida deixa a sala em plena escuridão e só se ouve a algazarra dispersa dos dispersos ao silêncio do cineasta. Alguém ao fundo acende a luz, Martha olha para a câmera, da um sorriso e tudo fica negro, o vídeo acabou.

André pausa bem na parte dos olhos pintados e aperta play. Volta. Pausa outra vez na mesma cena e aperta play. Mas que desejo foi esse o da Martha? Seria algo em outra língua? As aulas de latim estavam indo bem, ela disse. André nunca saberá que naquele dia Martha agradecera pelo ano passado, o dia em que André lhe deu um CD com músicas gravadas para a viajem longa até a praia. Acontece que era pra fazer um pedido. Acontece que Martha só tinha a agradecer.

ap.

Um comentário:

sem coerência,