quinta-feira, 3 de março de 2011

O céu dos arrojados

‘Eu só sei dessa época da Dona Cátia porque ouvi dizer. Ah, a rua toda estava sabendo, só quem não sabia era a família dela, o marido corpo lento que trabalhava o dia todo e o filho franzino de cabelo espichado que tinha um cheiro estranho. A vizinha dele, Olga que o diga, quando entrava no elevador todo mundo ficava com cara de interrogação. Bem, depois que Dona Cátia se mudou de lá, esse foi o comentário, se já não o era... ’

Jorge estava no quarto. Como qualquer adolescente de porta fechada, fumava um baseado na janela, ainda que os vizinhos o descriminassem e a luta fosse sempre pelo respeito, bom, ele não ligada. Dona Cátia se olhava no espelho furtivamente, essa sim havia de ter o que esconder, levava uma vida tão pacata que só quem tem um grande segredo consegue levar. E era uma pessoa daquelas simples de confiar, onde todo mundo põe a mão sabendo das chamas. Ela correu em passos curtinhos no seu salto dez, em punho marretou a porta de Jorge e disse que ia ao mercado. Eram quatro e meia da tarde, o sol a pino e um grande anoitecer por vir. Jorge em seu quarto procurava o cachimbo. Dona Cátia em sua sala olhava para trás. Os dois se esgueiravam na fantasia de ser livre dentro de uma piscina funda e camuflada, a televisão mostrava os finais felizes, os desenhos as risadas mais alegres, os jornais nos explicavam diariamente que um dia morreremos de desastre ou coração partido, um espelho dizia a verdade e o baseado agia sobre a mente, ia mais a além. O que Jorge e Cátia tinham mesmo em comum não eram seus segredos, era mais a maneira como escondiam, dentro de casa ninguém imaginava ou dava conta de supetão, mas na rua todo mundo comentava.
Cátia, como era chamada pelo professor, andava espevitada ao seu lado sempre olhando para os lados, ora, não porque estava se escondendo, mas sim porque estava se exibindo, era uma vontade tão enorme de lhe falar sobre o que passava em casa que de minutos em minutos para não sair dos trilhos dava gritinhos apreensivos dentro de sua saia rodada. E eles rodavam, tanto que a deixava zonza, o que nesse estado ser levada pelos grandes e firmes braços do professor não era nada mal, Cátia roçava vez em quando a mão sobre seu pescoço raramente suado. Era casada, mais pela força da razão que do coração e usava aliança. Dona Cátia ou Cátia, que seja, só queria sair de seu apartamento abafado e ter alguns minutinhos de fascínio no seu oásis bege e suado. Jorge não sentia o contrario; como um rei, tinha o seu leão ao lado e sua erva na gaveta. Cada um toma o céu que quer para si, eu particularmente prefiro aquele pedacinho azul que vende na praia.

ap.

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sem coerência,