sábado, 15 de abril de 2017

O menino elegante no uniforme militar

Não era o uniforme que o deixava charmoso, era ele quem deixava o uniforme militar de estampa camuflada muito mais elegante. Não era o sentimento sobrenatural de não conseguir dormir, nem a desculpa de ser apenas sobrenatural por si só. Parecia ser as piadas cozinhadas, reduzidas e ácidas, inesperadamente apostadas com a destreza de quem passou anos estudando estratégia e método de aplicação da melhor resposta na hora certa. Quebrou-me as pernas, poliu-me o sorriso e me inspirou, para tanto estou aqui. Tinha cheiro de orvalho seco e eu dei-lhe o nome de Lucas, não sei se por conveniência ou destino. No inicio foi um pouco difícil eu admito. Orgulho e preconceito, o que é mais importante? Ambos mostraram-se ilusão após familiaridade estabelecida, primeiro camaradagem, depois espreitando por detrás de um singelo enigma a afeição floresceu, esta tão devagar e discreta que ele deu-me o nome de SoMi, flor que floresce lentamente. O romance então se achou capaz de caber entre o tanto que não tinha sido dito e mais o tanto que ainda haveria de ser. Durante a maior parte do tempo tínhamos conversas fragmentadas, como se usássemos a gambiarra dos dois copos descartáveis unidos por uma frágil linha de costura, a conversa se partia em tantos pedaços que dizíamos oi seguidas vezes sem ao menos perceber e vários assuntos perdiam o sentido com o tempo. Um dia ele perdeu seu copo, e eu desolada fiquei sem saber que raio tinha partido aquela linha, quando por outros meios ele veio até mim, de conversa ainda despedaçada e não mais sobrenatural, dessa vez um menino sensato, diria quase um homem, ocupado com seu trabalho e cansado ao chegar em casa, mas entre o café no escritório, o macarrão instantâneo e o banho quente sempre havia nossa conversa, nosso oi espaçado, nosso tudo bem demorado, nosso o que você está fazendo tardio, e finalmente o nosso descanse um pouco triste e abatido. Porque a linha de costura era longa demais, mesmo depois de partida, o caminho que ela percorrera ainda existia e era pungente. Era doloroso saber que não adiantava, não adiantaria nunca tentar aproximar as almas ou ainda mais dificilmente seduzir os corpos. É claro que quando eu encostava a boca no copo descartável e respirava nervosa, você não podia ver o brilho nos meus olhos, está muito claro também que quando você deixou seu copo cair no ônibus e o procurou apressado para me contar que tinha passado num lindo parque primaveril, eu não pude ver seu rosto revirado em desapontamento. Knoc, knoc, quem está aí? Ele saiu de fininho pela porta, como todos fazem. É fácil reconhecer o fim, quando você já viu passar pela porta o mesmo de sempre: amor, esperança e miséria.

ap.

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sem coerência,