A hipocrisia me julga com frieza nos olhos porque sempre fui
tão desapegada, sem rótulos eu dizia, eu sou new age. Eis que esta manhã eu
acordei querendo cozinhar, colher um limão no quintal e fazer uma bela de uma
marinada, chorar com muita cebola picada e sentir o prazer de jogar a cebolinha
cortada em rodelinhas para finalizar o prato, eu me sinto realmente contente na
parte da cebolinha. Quando acordei pensei de súbito se você lembrou-se do
guarda-chuva porque amanheceu bonito pra chover. Assustei-me porque me senti
tão Amélia essa manhã, veja só, uma pessoa que defende tão veemente o direito
de negar qualquer trabalho doméstico, o direito de por os pés pra cima e
dominar a arte de não fazer absolutamente nada, esta manhã eu acordei querendo
filhos seus, querendo te segurar quando você sentir que vai cair, querendo ser
sua meia nessa manhã tão molhada. Por causa de ontem à noite, nesta manhã eu
faria tudo por ti, porque ontem à noite desejei como numa reza que você
acordasse hoje querendo ser meu guarda-chuva, minha meia, meu copo d’água no
meio da noite, minha escova de dente, meu remédio de dor de cabeça, a melhor
ameixa da minha semana, aquele curativo no meu ombro que sucedeu porque minhas
unhas estão muito grandes e eu não sei corta-las, nunca soube, porque sou filha
única, mimada. Desculpe-me, eu sei que
você nunca vai me levar a sério, não por qualquer motivo tradicionalista, pois
tenho consciência da minha dignidade. Os motivos são outros, forasteiros. A
alma se descobre bela quando acariciada, e pensa em sua insipida ignorância que
acariciar é simples, pensa que qualquer um se deixa acariciar, mas você é um
cervo assustado e eu uma predadora atrasada. Você é a cautela e eu sou o
estilhaço. Você disse que está cauteloso e eu disse meu bem, eu não sei o que é
isso, porque é achando que eu nado bem pra caramba que mergulho, mas era
cimento e eu só espatifei.
ap.
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sem coerência,