quarta-feira, 1 de junho de 2011

A filosofia de Lionel

Ele sentou num banco improvisado e chorou, fumou tantos cigarros incabíveis nas minhas duas mãos, perdi a conta, nem prestava atenção nisso, talvez, pensei uma vez só, e não pareceu importante. Ele me mostrou várias coisas, inventou outras muitas. Suas lágrimas roncavam no nariz, e a mão não saia dos olhos. Ele olhava sempre o chão ou de vez em quando apontava o olhar em mim. Passaram-se as horas, logo depois passou-se a chuva, passou-se então a paciência, e eu fui embora. Mas como pode no meio do clímax o protagonista desaparecer? Como pode o nexo não existir? Pode o sujeito ser literalmente inexistente na oração? Bem depois do sentido vem a contradição. E ele só soube conjeturar o meu sotaque do norte, como se um ensaio fosse pertinente. Bebeu o único café que pedimos, em goles envenenados. Soube amar quando devia isso ao mundo. Soube mentir sobre seu verdadeiro sentimento. Tirou um lenço do bolso e limpou as poucas lágrimas tímidas; os olhos em épocas secas. Bateu o pé direito, lembrando a nona sinfonia: não teve regresso. Contou algumas moedas ao pagar, não obteve troco. Não obstante, ele queria ir até lá fora, mas eu não iria, estava frio. Eu tinha um teto e saberia deixa-lo fixo para sempre, nada de empurrar a vassoura para reclamar sobre a bagunça do andar de cima. O calor depois da chuva foi um sinal de que eu teria uma noite em solidão, tortuosa. Na vila tinha sempre um delírio. Os mosquitos esgotavam-me os dedos ao espanados. O olhar amarelo de algumas pessoas me dava também sempre maus pressentimentos, ele não tinha um olhar amarelo, embora não fosse branco como uma pomba. Na minha lembrança a cor estaria mais para invisível, inexistente. Ele foi. Eu fui. Para dois caminhos diferentes. O meu tinha ipês amarelos e uma lama turbulenta ao sul, no inverno. Leite quente que recebia gentilmente todas as intermináveis manhãs. Ele deve ter perdido bem mais que um pôr-de-sol ou o visto inconsciente na praia. Eu não tinha o mar, mas tinha toda a ventania suculenta como agridoce. Eu vivia aqui. Ele vivia lá. E enfim sempre pensei se eu também tinha uma vida paralela a esta, outras realidades: após grandes decisões.

ap.

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sem coerência,