sábado, 6 de agosto de 2011

A Jamaicana prosaica

Jamaica, 21 de julho, meio dia a pino. Uma senhora careca senta ao meu lado no ponto de ônibus, ela cheira a pipoca de milho e cigarro, o perfume vulgar ainda molhando perceptivelmente sua nuca; resmunga numa língua estranha sobre um livro grosso e desinteressantemente preto acomodado no seu colo velho e negro. Suas vestes são delicadamente rosas, combinadas de propósito. Pra onde a velha vai? Olho-a discreta e curiosa de cima a baixo, a mulher tem tatuagens nas pernas que outrora foram musculosas, porém, ainda resistentes. Ela me olha taciturna e desvia o olhar para a rua barulhenta e desinformada. Eu aponto o livro e um olhar de dúvida. A partir de então descubro toda sua peregrinação quase centenária. Recordo-me apenas de uns miseráveis trechos da conversa, soube que se dizia vidente e um bocadinho alquimista, tinha noventa e cinco anos de idade, não largava o prazer de se maquiar todos os dias desde que tinha 12 anos, sua mãe nunca soube, seu pai muito menos, foi criada pela vida. Lembro-me muito bem dos seus devaneios a espera do ônibus, na minha medíocre ousadia de reproduzi-los foram mais ou menos assim: “Num dia qualquer como este eu ainda subo num desses prédios altos da cidade e grito, estridente, violenta, fazendo suicidar-se precipício abaixo as angustias. Tanto desejo vomitar os problemas meu anjinho, como anseio semelhante a qualquer mortal das terras, ares e águas conhecer a causa, o simples porque do: Nós somos o que somos e estamos onde estamos. Por que nosso coração bate e nossa consciência pesa. Por que as reações são impostas á medida das ações. Ter a sabedoria do porque dos sentimentos das tardes, das insônias das noites e muito remotamente do perfeito e inalcançável sono das manhãs. Anseio em suma conhecer os escuros do mundo, o que há por detrás de todas as formas de escrituras e então com precisa certeza dizer-me se devo ser feliz como a aurora boreal ou triste como o ápice da dúvida. Ou ainda que um meio termo eu encontre, já sendo de esperar; e a resposta da crença invisível me diga que tenho de ser por toda a vida a aurora e a dúvida, o coração e a consciência, os sentimentos e a sabedoria, o sono e a insônia de ser o que sou.” O ônibus chegou, não olhei o número, esqueci, talvez fosse o meu. Adeus, velha senhora careca, obrigada por compartilhar comigo alguns tragos de seu cigarro barato, suas pipocas de milho e seu perfume trivial.

ap.

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sem coerência,