Nasce lá longe a nossa estrela amarela, saindo de uma noite obscura e fria, o dia carrega uma vela pela metade, em desígnio há uma temporada cheia de enormes bolsas nos olhos e vontade de dormir. Mas para onde vão as estrelas quando estas morrem? Não deve existir certo antro que as deixem entrar. Elas desaparecem do mapa; e para onde vão as místicas estrelas depois de sua morte e dissipação? Numa caixa de leite elas não estão. Adelha observava as estrelas corriqueiramente no seu telescópio de segunda mão, tão arranhado que parecia estar no fim da vida, pois já tivera uma existência longa de estrela. Ela não sabia nem como nem porque todas aquelas estranhas e engenhosas estrelas estavam ali no céu flutuando pesadamente, como quem não faz aquilo com naturalidade, faz por ter nascido de um jeito bonito e seu destino é ser pulcro até a chegada de sua morte furtiva; como se para flutuar fosse preciso nascer daquele jeito, certo sangue azul nas entranhas. Elas precisavam flutuar para viver, como a formosura precisa ser demasiado olhada para durar. Não lembro ao certo em que noite ou ano aconteceu. Num dado momento de terror uma estrela visitou o quarto de Adelha, flutuava ainda, mas era tão pesada e assimétrica que não chegava a ter seu merecido nome. Encostou-se numa poltrona surrada e antes limpou seu acento para não ofuscar seu brilho fosco. Pediu uma cerveja apenas, porque queria esquecer algumas coisas bem como quando queremos esquecer um pesadelo ou o trabalho, Adelha e a estrela foram para o quintal e lá perceberam as outras estrelas flutuantes e birrentas, brilhando para si e somente si, sem rumo de uma vida futura. Foi então quando a estrela ao lado de Adelha chorou, alagava o quintal de brilhantes rosas amarelas e gritava baixinho seu pesar sobre ser uma tão brilhante e triste estrela, sobre seu fulgor não fazer o menor sentido para si, sobre querer ser Adelha e em seguida ela excomungaria todas as estrelas somente por serem estrelas através do seu telescópio de segunda mão caindo aos pedaços, e seria feliz, mesmo sem brilho, mesmo sem um tão perceptível peso sentimental, ainda que tivesse em suas entranhas um gosto azul enferrujado, a estrela ao lado de Adelha seria a estrela mais feliz do mundo porque ela sabia que lá no fundo todos nós sabemos para onde vamos depois da morte.
ap.
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sem coerência,