Aconteceu num fim de tarde cheio de vento, nuvens rosa, sua
boca tingida de vinho, contraída, concentrada. Ela se deu conta de que não era
feliz e que nem se quer fazia questão de ser a muito. Não sabia o que lhe cravava um sorriso, nunca
soubera até então o que lhe fazia bocejar, o que via quando olhava, e porque
não era como os outros que olhavam o que viam. Numa esperança tardia de se
encontrar, ainda que fosse pra chorar, não se via em lugar algum, não via
rumos, estradas, caminhos, escolhas. Queria, mas não sabia o que. Chorava, mas
não sabia o por que. Sofria, sofria muito, por todos, menos por ela mesma. Sentia
no peito uma saudade imensa de ser novamente uma criança e só ter de se
preocupar com os amores alheios. Queria viver numa caixa, sozinha, sem um mundo
inteiro a sua volta. Sonhar a realidade dos sonhos. Viver a dignidade deles.
Decidir. Validar. Nesse mundo em que vivia cheio de tristeza onde os portões de
ferro faziam um barulho aterrorizante nas madrugadas e um ladrão cantava atrás
do muro sem temer a morte ou a solidão. Sentia-se triste, muito triste, como se
estivesse muito longe de si mesma. Como se o restinho dela estivesse
bebericando o vinho e se entristecendo, e a outra parte morasse numa montanha
muito distante e cortasse lenha todos os dias para se esquentar a noite, e
neste fim de tarde estivesse vendo o mesmo céu rosa que ela, mas estivesse
olhando o que via e não doravante, tentando ver o que olhava. Alguma parte dela
estava feliz num morro sem trilhas.
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sem coerência,